Anulado

Cerveja de Ayahuasca

O Comitê de Supervisão revogou a decisão da Meta de remover uma publicação que discutia sobre a bebida à base de plantas ayahuasca.

Tipo de decisão

Padrão

Políticas e tópicos

विषय
Eventos culturais, Religião, Saúde
Padrão da comunidade
Produtos regulamentados

Regiões/países

Localização
Brasil

Plataforma

Plataforma
Instagram

Resumo do caso

Nota: Em 28 de outubro de 2021, o Facebook anunciou que mudaria o nome de sua empresa para Meta. Neste texto, Meta refere-se à empresa, e Facebook continua a se referir ao produto e às políticas associadas ao aplicativo específico.

O Comitê de Supervisão revogou a decisão da Meta de remover uma publicação que discutia sobre a bebida à base de plantas ayahuasca. O Comitê concluiu que a publicação não violava as Diretrizes da Comunidade do Instagram visto que estavam articuladas na época. As responsabilidades da Meta para com os direitos humanos também sustentavam a restauração do conteúdo. O Comitê recomendou que a Meta altere suas regras para permitir que usuários discutam, de forma positiva, os usos tradicionais ou religiosos de drogas não medicinais.

Sobre o caso

Em julho de 2021, uma conta do Instagram de uma doutrina espiritual com sede no Brasil publicou a foto de um líquido marrom escuro em uma jarra e duas garrafas, especificado como ayahuasca no texto descritivo em português. A ayahuasca é uma bebida à base de plantas com propriedades psicoativas usada em atos religiosos e cerimoniais, inclusive entre grupos indígenas da América do Sul. O texto afirma que “AYAHUASCA É PARA QUEM TEM CORAGEM DE SE ENFRENTAR” e inclui afirmações de que a ayahuasca é para quem quer “se regenerar”, “se iluminar”, “vencer os medos” e “se libertar”.

A publicação foi sinalizada para análise pelos sistemas automáticos da Meta por ter recebido cerca de 4.000 visualizações e por estar “em alta”. Ela foi analisada por um moderador humano e removida.

Principais conclusões

A Meta comunicou ao Comitê que removeu a publicação porque esta incentivava o uso de ayahuasca, uma droga não medicinal. A empresa afirmou que “o usuário descreveu a ayahuasca com um emoji de coração, se referiu a ela como ‘remédio’ e afirmou que ela ‘pode te ajudar’.”

O Comitê conclui que, enquanto o conteúdo violou o Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados, que proíbe conteúdo que fale positivamente sobre o uso de drogas não medicinais, ele não violou as Diretrizes da Comunidade do Instagram, as quais, na época, cobriam apenas a venda e a compra de drogas ilegais ou medicamentos que exigissem receita.

As responsabilidades da Meta para com os direitos humanos internacionais favorecem a decisão do Comitê de restaurar o conteúdo. O Comitê está preocupado com o fato de a empresa continuar aplicando os Padrões da Comunidade do Facebook no Instagram sem comunicar esse fato aos usuários de forma transparente. O Comitê não entende por que a Meta não pode atualizar imediatamente o texto das Diretrizes da Comunidade do Instagram para comunicar isso aos usuários. A Meta também não comunicou ao usuário neste caso quais partes de suas regras ele violou.

O Comitê discorda também da alegação da Meta de que proibir comentários positivos sobre a ayahuasca era necessário neste caso para proteger a saúde pública. A publicação, que discutia principalmente sobre o uso da ayahuasca em contexto religioso, não foi vinculada estreitamente à possibilidade de causar danos. O usuário não publicou instruções sobre o uso da ayahuasca nem informações sobre a disponibilidade da mesma.

Para respeitar diversas práticas tradicionais e religiosas, o Comitê recomenda que a Meta altere suas regras sobre produtos regulamentados para permitir discussões positivas sobre usos tradicionais ou religiosos de drogas não medicinais que tenham um uso tradicional ou religioso reconhecido.

A decisão do Comitê de Supervisão

O Comitê revoga a decisão da Meta de remover o conteúdo e exige que a publicação seja restaurada.

Como recomendação de política, o Comitê aconselha que a Meta faça o seguinte:

  • explique aos usuários que ela aplica os Padrões da Comunidade do Facebook no Instagram, com algumas exceções específicas. A Meta deverá atualizar a introdução às Diretrizes da Comunidade do Instagram em um prazo de até 90 dias para informar os usuários de que, se um conteúdo é considerado como violador no Facebook, ele também é considerado como violador no Instagram.
  • explique aos usuários qual foi exatamente a regra da política de conteúdo que eles violaram.
  • Modifique as Diretrizes da Comunidade do Instagram e o Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados para permitir a discussão positiva sobre os usos tradicionais ou religiosos de drogas não medicinais, quando houver evidência histórica desse uso. A Meta também deverá tornar públicas todas as exceções, incluindo as já existentes.

*Os resumos de caso dão uma visão geral da ocorrência e não têm valor precedente.

Decisão completa sobre o caso

1. Resumo da decisão

O Comitê de Supervisão revoga a decisão da Meta de remover do Instagram uma publicação que discute a ayahuasca no contexto de uso religioso ou tradicional. O Comitê conclui que, embora o conteúdo viole os Padrões da Comunidade do Facebook e as Diretrizes da Comunidade do Instagram atualizadas, os valores declarados da plataforma e os princípios de direitos humanos internacionais sustentam a restauração do conteúdo. O Comitê recomenda também que o Instagram e o Facebook ajustem as políticas pertinentes para permitir a discussão positiva de usos religiosos ou tradicionais de drogas não medicinais quando houver evidência histórica desse uso.

2. Descrição do caso

Em julho de 2021, uma conta do Instagram de uma doutrina espiritual com sede no Brasil publicou a foto de um líquido marrom escuro em uma jarra e duas garrafas, especificado como ayahuasca no texto descritivo em português. A ayahuasca é uma bebida à base de plantas com propriedades psicoativas que tem usos religiosos e cerimoniais profundamente enraizados em grupos indígenas e outros grupos em países da América do Sul e em comunidades a eles relacionadas em outros lugares. A ayahuasca contém plantas que são fontes de dimetiltriptamina (DMT), uma substância proibida nos termos da Lista I da Convenção da ONU sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e pelas leis de muitos países, embora existam exceções relevantes nos termos da legislação internacional para substâncias contendo DMT, como a ayahuasca, e exceções nos termos de algumas leis nacionais, inclusive no Brasil, para outros usos, tais como o uso religioso e indígena.

O texto afirma que “AYAHUASCA É PARA QUEM TEM CORAGEM DE SE ENFRENTAR” e inclui afirmações de que a ayahuasca é para quem quer “se regenerar”, “se iluminar”, “vencer os medos” e “se libertar”. Ele afirma também que a ayahuasca é um “remédio” e que “pode te ajudar” se você tiver humildade e respeito. O texto é encerrado com a frase “Ayahuasca, Ayahuasca!/Gratidão, Rainha da Floresta!”

O conteúdo foi visualizado mais de 15.500 vezes e nenhum usuário o denunciou. A publicação foi sinalizada para análise pelos sistemas automáticos da Meta por ter recebido cerca de 4.000 visualizações e por estar “em alta”. A Meta não especificou a imagem ou o texto que acionou a análise automática. A publicação foi subsequentemente analisada por um moderador humano e removida. A Meta comunicou ao Comitê que a publicação foi removida por violar o Padrão do Facebook sobre Produtos Regulamentados, mas subsequentemente afirmou ter removido o conteúdo por “violar as Diretrizes da Comunidade do Instagram, que incluem um vínculo com o Padrão do Facebook sobre Produtos Regulamentados”. A Meta notificou o usuário de que a publicação ia contra as Diretrizes da Comunidade do Instagram, afirmando: “publicação removida por venda de produtos ilegais ou regulamentados”. A mensagem também observou que a Meta remove “publicações que promovam o uso de drogas pesadas”.

Depois de outra análise humana do conteúdo, a Meta manteve a sua decisão inicial de remover o conteúdo. A Meta notificou o usuário sobre a sua decisão, e este em seguida fez uma apelação junto ao Comitê de Supervisão.

3. Autoridade e escopo

Segundo o seu Estatuto, o Comitê de Supervisão é um órgão autônomo designado para proteger a liberdade de expressão por meio da tomada de decisões independentes e baseadas em princípios sobre conteúdos importantes. Ele opera de forma transparente, exercendo julgamentos neutros e independentes e tomando decisões com imparcialidade. O Comitê tem autoridade para analisar a decisão da Meta após uma apelação do usuário cuja publicação foi removida (Artigo 2, Seção 1 do Estatuto; Artigo 3, Seção 1 dos Regulamentos Internos). O Comitê pode manter ou reverter essa decisão, e a decisão do Comitê é vinculativa para a Meta (Artigo 4 do Estatuto).

As decisões do Comitê podem incluir declarações de parecer consultivo com recomendações. Essas recomendações não são vinculativas, mas a Meta deve responder a elas (Artigo 3, Seção 4 do Estatuto).

4. Padrões relevantes

Em sua decisão, o Comitê de Supervisão considerou os seguintes padrões:

I. Políticas de conteúdo da Meta

Este caso envolve as Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões da Comunidade do Facebook. A Central de Transparência da Meta afirma que “o Facebook e o Instagram compartilham políticas de conteúdo. Isso significa que, se um conteúdo é considerado como violador no Facebook, ele também é considerado como violador no Instagram.”

Na época em que esse conteúdo foi publicado e removido, as Diretrizes da Comunidade do Instagram proibiam “a compra e a venda de drogas ilegais ou medicamentos que exijam receita (mesmo se legais na sua região)” sob o subtítulo “Cumpra a lei”. Os usuários recebem a seguinte instrução: “Lembre-se de sempre cumprir a lei ao oferecer a venda ou a compra de outros produtos regulamentados.” O termo “produtos regulamentados” faz referência ao Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados. Em 26 de outubro de 2021, a Meta atualizou essa seção das Diretrizes da Comunidade do Instagram em resposta a recomendações anteriores do Comitê (veja a Seção 8.3 abaixo) e sob o ensejo da decisão do Comitê de analisar esse caso. Sob o subtítulo “Cumpra a lei”, a Meta removeu a referência a “drogas ilegais ou medicamentos controlados”, substituindo-a com “drogas não medicinais ou farmacêuticas”, e adicionou texto para proibir “a venda e a compra de drogas não medicinais ou farmacêuticas [e] remover conteúdos que tentem comercializar, coordenar o comércio, doar, dar de presente ou solicitar drogas não medicinais, assim como conteúdos que admitam o uso pessoal (exceto no contexto de reabilitação) ou coordenem ou promovam o uso de drogas não medicinais”.

O Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados tem uma seção sobre drogas não medicinais que proíbe conteúdo que “coordene ou promova (com isso queremos dizer que fale positivamente sobre ou que forneça instruções para usar ou produzir) drogas não medicinais”.

II. Os valores da Meta

Os valores da Meta são descritos na introdução aos Padrões da Comunidade do Facebook. O valor “Voz” é definido como “fundamental”:

o objetivo de nossos Padrões da Comunidade sempre foi criar um local de expressão e dar voz às pessoas. [...] Queremos que as pessoas possam falar abertamente sobre os assuntos importantes para elas, ainda que sejam temas que geram controvérsias e objeções.

A Meta limita o valor de “vozes” em nome de quatro valores, dois dos quais são relevantes aqui:

“Segurança”: temos o compromisso de fazer do Facebook um lugar seguro. Conteúdo com ameaças podem intimidar, excluir ou silenciar pessoas, e isso não é permitido no Facebook.

“Dignidade”: acreditamos que todas as pessoas são iguais no que diz respeito à dignidade e aos direitos.

III. Padrões de Direitos Humanos

  • Os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs, na sigla em inglês), endossados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011, estabelecem uma estrutura voluntária de responsabilidades sobre direitos humanos das empresas privadas. Neste caso, os padrões de direitos humanos abaixo foram levados em consideração na análise do Comitê sobre as responsabilidades da Meta. A Política Corporativa de Direitos Humanos da Meta, anunciada em 16 de março de 2021, reflete o compromisso da empresa de respeitar os direitos conforme refletido nos UNGPs
  • O direito de liberdade de opinião e expressão: Artigo 19, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP); Comentário Geral n.º 34, Comitê de Direitos Humanos 2011; Relator Especial da ONU sobre os relatórios de liberdade de opinião e expressão: A/HRC/17/27 (2011).
  • O direito de participar da vida cultural: Comentário Geral nº 21 sobre o direito de todos participarem da vida cultural, E/C.12/GC/21, 21 de dezembro de 2009; Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.
  • O direito à liberdade de religião e crença: Artigo 18, PIDCP; Comentário Geral n.º 22, Comitê de Direitos Humanos 1993;

Outras fontes de direito internacional que foram levadas em consideração para essa decisão incluem:

  • Artigo 14, parágrafo 2, Convenção da ONU contra o Tráfico Ilícito de Drogas Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, 1988;
  • Artigo 1 e Agenda I da Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971; Comentário sobre a Convenção de Substâncias Psicotrópicas, 1971; Relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, 2010.

5. Declaração do usuário

O usuário declarou, em sua apelação, que tem certeza de que a publicação não viola as Diretrizes da Comunidade do Instagram, já que a página dele é informativa e nunca incentivou ou recomendou a compra ou venda de qualquer produto proibido pelas Diretrizes da Comunidade. Ele disse que tirou a foto durante uma das cerimônias, que são regulamentadas e legais. Segundo o usuário, a conta visa desmistificar a ayahuasca, uma bebida sagrada. Ele afirmou haver um grande desconhecimento em relação à ayahuasca. O usuário declarou que a bebida traz conforto espiritual às pessoas e que suas cerimônias podem melhorar o bem-estar social. Ele alega ainda que publicou o mesmo conteúdo anteriormente em sua conta e que a publicação continua online.

6. Explicação sobre a decisão da Meta

Na sua explicação para a decisão, a Meta afirmou que removeu esse conteúdo porque ele incentivava o uso da ayahuasca, uma droga não medicinal. Segundo a Meta, essa decisão está em conformidade com os Padrões da Comunidade do Facebook, os valores da Meta e os princípios de direitos humanos internacionais.

A Meta afirmou que o conteúdo violou os Padrões da Comunidade do Facebook porque “o usuário descreveu a ayahuasca com um emoji de coração, se referiu a ela como ‘remédio’ e afirmou que ela ‘pode te ajudar’.” Após uma pergunta do Comitê indagando se o conteúdo foi removido por violar as Diretrizes da Comunidade do Instagram ou os Padrões da Comunidade do Facebook, a Meta respondeu confirmando a remoção do conteúdo “por violar as Diretrizes da Comunidade do Instagram, que incluem um vínculo com o Padrão do Facebook sobre Produtos Regulamentados”. Especificamente, o usuário violou a proibição do Instagram de conteúdo que inclua “a compra e a venda de drogas ilegais ou medicamentos que exijam receita (mesmo se legais na sua região)”. A Meta citou também outra linha das Diretrizes da Comunidade que faz referência ao Padrão da Comunidade sobre Produtos Regulamentados, que “esclarece que o Facebook proíbe conteúdo que ‘coordene ou promova (com isso queremos dizer que fale positivamente sobre [...] drogas não medicinais.’”

Referindo-se aos valores da Meta, a empresa afirmou que “Segurança” prevalece sobre “Voz”. A Meta observou que os usuários têm permissão para defender a legalização de drogas não medicinais e discutir os benefícios médicos e científicos das drogas não medicinais, mas que não há exceção para uso religioso ou tradicional. A Meta argumentou que essa regra estabelece um equilíbrio correto entre “Voz” e “Segurança”.

A Meta afirmou também que proibir esse conteúdo está de acordo com os princípios de direitos humanos. Ela afirmou que levou em consideração o direito à liberdade de expressão nos termos do Artigo 19 do PIDCP e o direito à liberdade de religião ou crença nos termos do Artigo 18 do PIDCP, e argumentou que a sua decisão cumpria as condições exigidas para restringir esses direitos.

Segundo a Meta, o Padrão da Comunidade do Facebook é facilmente acessível, e a sua definição não pública de droga não medicinal como uma “substância que causa uma ‘alteração acentuada na consciência’” é evidente. Ela argumentou também que a decisão visava proteger a saúde pública. Ela afirmou que a dimetiltriptamina (DMT), uma das substâncias alucinógenas ativas na ayahuasca, gera riscos de segurança significativos, citando a Convenção da ONU sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971.

A Meta citou decisões judiciais da Suprema Corte dos Países Baixos (ECLI:NL:HR:2019:1456 (Caso n. 18/01356, Suprema Corte dos Países Baixos, 1 de outubro de 2019)) e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Franklin-Beentjes e Ceflu-Luz da Floresta contra os Países Baixos (Caso n. 28167/07, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 6 de maio de 2014 (dec.))), que concluiu que banir o uso da ayahuasca era uma restrição necessária e razoável do direito à liberdade de religião. Ela argumentou que “como uma proibição completa do uso da ayahuasca é necessária e razoável em termos dos princípios de direitos humanos, uma restrição menor de um agente não estatal proibindo a sua promoção também é permissível.”

A Meta também forneceu informações a respeito do processo adotado neste caso. Em sua resposta, a Meta fez uma distinção entre a possibilidade de “fazer uma apelação” de uma decisão e a possibilidade de “discordar de uma decisão”. A Meta explicou que, quando é oferecida às pessoas a opção de “discordar de uma decisão”, não é garantido que será feita uma análise da decisão, mas que a Meta pode analisá-la se sua capacidade permitir. A Meta afirmou que, embora ela “não possa sempre oferecer às pessoas a opção de fazer uma apelação” devido a restrições de capacidade relacionadas com a pandemia, ela analisa decisões com as quais as pessoas discordam “quando há capacidade de análise humana para fazê-lo”. A Meta informou o Comitê de que o usuário fez uma apelação da remoção. Porém, o Comitê analisou os relatórios de transparência da Meta sobre o monitoramento da política do Instagram e observou que nenhum conteúdo aparecia como tendo sido objeto de apelação por violar a política de Produtos Regulamentados desde meados de 2020. Depois que o Comitê solicitou informações sobre isso, a Meta afirmou que “o usuário recebeu uma mensagem de apelação desatualizada” por engano. A Meta explicou que o usuário deveria ter recebido uma mensagem que afirmasse que ele podia “discordar da decisão”, e que atualmente está investigando por que o usuário recebeu a mensagem errada.

7. Envios de terceiros

O Comitê de Supervisão recebeu sete comentários públicos neste caso. Um comentário era da América Latina e do Caribe, e seis comentários eram dos Estados Unidos e do Canadá.

Os envios abrangiam os temas seguintes: a importância de reconhecer a prática tradicional e os usos religiosos da ayahuasca; a necessidade de se levar em consideração o contexto social e jurídico local ao se realizar a moderação de conteúdo; a importância do contexto local quando o Padrão da Comunidade é justificado por referência a prejuízos fora da plataforma; estudos acadêmicos e evidências incidentais de prejuízos e de tratamentos benéficos com alucinógenos; e a necessidade de coerência na aplicação dos Padrões da Comunidade do Facebook.

Para ler os comentários públicos enviados sobre este caso, clique aqui.

8. Análise do Comitê de Supervisão

O Comitê avalia se o conteúdo deve ser restaurado com base em três perspectivas: Padrões da Comunidade do Facebook e Diretrizes da Comunidade do Instagram; Os valores da Meta declarados publicamente; e as responsabilidades da Meta para com os direitos humanos. O Comitê conclui que, embora o conteúdo viole as Diretrizes da Comunidade atualizadas e os Padrões da Comunidade atualizados, os valores os princípios de direitos humanos internacionais da Meta sustentam a restauração do conteúdo. O Comitê recomenda alterações nas políticas de conteúdo da Meta para permitir que os usuários façam declarações positivas a respeito de usos tradicionais e religiosos de drogas não medicinais quando houver evidência histórica desse uso.

8.1 Conformidade com as políticas de conteúdo da Meta

O Comitê concorda com a Meta que o conteúdo viola as Diretrizes da Comunidade do Instagram atualizadas e os Padrões da Comunidade do Facebook. No entanto, conforme discutido abaixo, o Comitê conclui que, apesar disso, o conteúdo deveria ser restaurado e faz uma recomendação em termos de políticas, no sentido de alterar os padrões pertinentes da Meta.

I. Diretrizes da Comunidade do Instagram

Na época em que o conteúdo foi publicado, as Diretrizes da Comunidade do Instagram proibiam “a compra e a venda de drogas ilegais ou medicamentos que exijam receita (mesmo se legais na sua região)” e instruía os usuários a “sempre cumprir a lei ao oferecer comprar ou vender outros produtos regulamentados”. O Comitê observa que a referência a “drogas ilegais”, “mesmo se legais na sua região”, é confusa e contraditória.

A publicação do usuário não fazia referência à venda ou à compra de ayahuasca. As Diretrizes do Instagram também mencionam a ilegalidade e o cumprimento da lei. O usuário reside no Brasil, onde o uso de ayahuasca é permissível para rituais religiosos e por comunidades indígenas (veja a resolução de 2010 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) do Brasil). A ayahuasca foi considerada como permitida para determinados fins religiosos nos termos da lei federal nos Estados Unidos, onde a Meta está incorporada (veja o caso da Corte Suprema dos EUA Gonzales contra O Centro Espirita Beneficente Uniao Do Vegetal, 546 U.S. 418 (2006)). A esse respeito, não há indicação de que o usuário não estivesse cumprindo a lei. Portanto, o conteúdo, que discute positivamente o uso da ayahuasca como parte de uma prática religiosa que o usuário entende como sendo legal, não viola as Diretrizes da Comunidade do Instagram conforme comunicadas ao público.

Em resposta às perguntas do Comitê sobre como esse conteúdo violou as regras do Instagram, a Meta afirmou que a aplicação da Diretriz “não envolve nem a legalidade da substância, nem a natureza do uso previsto”, apesar de que o texto da regra se refere a “drogas ilegais” e “cumprir a lei”. A Meta afirmou que, além das Diretrizes da Comunidade do Instagram, o conteúdo no Instagram também está sujeito aos Padrões da Comunidade do Facebook. O Comitê enfatiza que essa relação ainda não foi esclarecida de forma suficiente aos usuários, especificamente nos itens em que os dois conjuntos de regras parecem diferir, como foi o caso na época.

Na época em que o conteúdo em questão foi publicado, ele não violava as Diretrizes da Comunidade do Instagram conforme articuladas naquele momento, as quais se limitavam a conteúdos que envolvessem venda ou compra, embora violasse o Padrão da Comunidade do Facebook relacionado. Conforme mencionado acima, a Meta atualizou as Diretrizes da Comunidade do Instagram em 26 de outubro de 2021, para substituir a referência a “drogas ilegais ou medicamentos controlados” com “drogas não medicinais ou farmacêuticas” e adicionar a proibição de “conteúdos que admitam o uso pessoal (exceto no contexto de reabilitação) ou coordenem ou promovam o uso de drogas não medicinais”, que reflete o texto do Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados.

II. Padrões da Comunidade do Facebook

Existe uma referência ao Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados da parte da Diretriz da Comunidade do Instagram que afirma: “sempre cumpra a lei ao oferecer a venda ou a compra de outros produtos controlados” — o Comitê observa que isso não deixa claro aos usuários que o Padrão da Comunidade sobre Produtos Regulamentados se aplica em sua integralidade a todos os conteúdos no Instagram. O Padrão da Comunidade sobre Produtos Regulamentados proíbe “falar positivamente sobre” ou “incentivar” o uso de drogas não medicinais. Diferentemente da Diretriz do Instagram anterior a 26 de outubro, esse Padrão não se limita a drogas ilegais. A Meta não fornece uma definição pública de drogas não medicinais, mas afirmou ao Comitê que ela inclui substâncias que podem ser usadas para atingir um “um estado mental embriagado ou alterado”.

A Meta afirmou tratar conteúdos que falam positivamente sobre drogas não medicinais usadas para atingir um “estado mental alterado” como parte de uma “prática espiritual ou religiosa” do mesmo modo que outros conteúdos que falam positivamente sobre drogas não medicinais usadas para atingir um estado mental alterado. Os Padrões de Implementação Interna da Meta permitem discussões sobre “os méritos medicinais ou científicos das drogas não medicinais”. A publicação contém texto sobre propriedades curativas gerais da ayahuasca e texto baseado em práticas tradicionais e religiosas. No cômputo geral, o Comitê é do parecer de que este último tipo de texto predomina, e que a discussão em questão deve ser interpretada como uma afirmação dessas práticas. Os especialistas consultados pelo Comitê afirmaram que o texto dessa publicação faz parte de orações e rituais conhecidos, e que, no contexto dessas tradições, a referência à Rainha da Floresta é uma referência à Virgem Maria.

O Comitê concorda com a alegação da empresa de que o conteúdo viola o Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados, conforme incorporado por referência nas Diretrizes do Instagram. A ayahuasca pode ser usada para atingir um estado mental alterado, o conteúdo falava positivamente sobre ela, e nenhuma exceção se aplicava.

O Comitê conclui que embora o conteúdo viole os Padrões da Comunidade sobre Produtos Regulamentados, os valores da Meta e os padrões internacionais de direitos humanos respaldam a decisão do Comitê de restaurar o conteúdo, conforme analisado nas Seções 8.2 e 8.3 abaixo. O Comitê faz também recomendações a respeito das políticas para alinhar o Padrão da Comunidade com os valores da Meta e os padrões internacionais de direitos humanos.

8.2 Conformidade com os valores da Meta

O Comitê conclui que a decisão da Meta de remover o conteúdo não é coerente com os valores da empresa. Neste caso, como em muitos outros, os valores da Meta de “Voz”, “Segurança” e “Dignidade” apontam em direções diferentes. A decisão da Meta de remover a publicação atribuiu mais importância à “Segurança” do que à “Voz”. O Comitê equilibraria os valores de maneira diferente, acreditando que interesses genuínos, mas não particularmente fortes na “Segurança”, sejam superados, neste contexto, pelo valor “Voz” e pela importância de reconhecer a dignidade das pessoas que adotam usos tradicionais ou religiosos quando há evidência histórica desse uso, inclusive por comunidades indígenas e religiosas. A pesquisa científica indica que o uso da ayahuasca em um contexto controlado em cerimônias tradicionais e religiosas não está associado a um sério risco de danos. A Meta citou o caso do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Franklin-Beentjes e Ceflu-Luz da Floresta contra os Países Baixos (Caso n. 28167/07, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 6 de maio de 2014) para demonstrar os riscos do uso da ayahuasca. Outros tribunais, porém, chegaram a conclusões diferentes; por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos, considerando o risco de danos do “uso circunscrito e sacramental da ayahuasca” por membros de uma religião baseada na ayahuasca, concluíram que o governo não tinha apresentado provas suficientes dos danos decorrentes do uso religioso, que era seu ônus, para justificar a proibição nessas circunstâncias. A argumentação da Meta não parece ter levado em consideração os usos controlados da ayahuasca que visam a mitigar os riscos à saúde. À luz da pesquisa científica, a argumentação da Meta não demonstrou o risco dessa publicação para o valor de “Segurança” o suficiente para prevalecer sobre a “Voz” e a “Dignidade” a ponto de justificar a remoção da publicação. Esses interesses são discutidos com mais detalhes na Seção 8.3.III abaixo.

8.3 Conformidade com as responsabilidades sobre direitos humanos da Meta

O Comitê é do parecer de que as normas sobre direitos humanos apontam na direção de restaurar a publicação no Instagram. A Meta se comprometeu a respeitar os direitos humanos de acordo com os Princípios Orientadores da ONU (UNGPs) sobre Empresas e Direitos Humanos. Sua Política Corporativa de Direitos Humanos afirma que esse compromisso também inclui o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP).

Liberdade de expressão

O artigo 19 do PIDCP fornece ampla defesa da expressão. O Comitê de Direitos Humanos afirmou que “a liberdade de expressão também é indispensável para exercer todos os demais direitos [incluindo a liberdade de religião e crença]” (A/HRC/40/58, parágrafo 5). A expressão desempenha o papel de “’capacitador’ dos demais direitos, incluindo [...] o direito de participar da vida cultural” (A/HRC/17/27 parágrafo 22, veja também o Comentário Geral 21, parágrafos 13-19, 37, 43). A liberdade de expressão facilita a promoção da diversidade de expressões culturais (Convenção da UNESCO de 2005).

Neste caso, como observado acima, a publicação discutia o uso da ayahuasca no contexto de práticas tradicionais ou religiosas na região de origem da publicação. Embora o uso da ayahuasca tenha recentemente se espalhado por uma população mais ampla, ele é uma parte central das práticas cerimoniais de certos grupos indígenas e religiosos da América Latina e da diáspora da América Latina.

O artigo 19 exige que, quando um estado impõe restrições à expressão, elas devem atender aos requisitos de legalidade, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade (artigo 19, parágrafo 3, PIDCP) Como mencionado acima, a Meta assumiu o compromisso voluntário de respeitar os padrões de direitos humanos.

I. Legalidade (clareza e acessibilidade das regras)

A primeira parte do teste requer que as regras que restringem a expressão sejam claras e acessíveis, de maneira que as pessoas afetadas conheçam as regras e possam cumpri-las (Comentário Geral n. 34, parágrafos 24-25). Aplicando isso à Meta, os usuários de suas plataformas deverão ser capazes de saber o que é permitido e o que é proibido. Neste caso, o Comitê conclui que a Meta não cumpriu essa responsabilidade.

O Comitê chamou repetidamente a atenção à falta de clareza para os usuários do Instagram sobre quais políticas se aplicam a seus conteúdos. Veja a decisão sobre o caso 2020-004-IG-UA sobre a conscientização sobre o câncer de mama no Brasil e a decisão sobre o caso 2021-006-IG-UA sobre o comentário a respeito do confinamento de Ocalan. O Comitê reitera essa preocupação aqui, apesar das alterações efetuadas nessas regras.

As Diretrizes da Comunidade do Instagram não informam claramente aos usuários de que os Padrões da Comunidade do Facebook também se aplicam. Embora algumas seções das Diretrizes façam referência aos Padrões da Comunidade, a seção das Diretrizes que a Meta alegou que o usuário teria violado (“a compra e a venda de drogas ilegais ou medicamentos que exijam receita”) não contém hiperlinks para os Padrões da Comunidade do Facebook. Os usuários precisariam consultar os relatórios da Central de Transparência para localizar o texto que afirma que “O Facebook e o Instagram compartilham as políticas de conteúdo. Isso significa que, se um conteúdo é considerado como violador no Facebook, ele também é considerado como violador no Instagram.” O Comitê observa que existem exceções às políticas compartilhadas — em resposta à recomendação anterior do Comitê de esclarecer a relação entre as Diretrizes e os Padrões no caso 2021-006-IG-UA, a Meta afirmou que, por exemplo, as pessoas no Instagram podem ter várias contas para diferentes finalidades, enquanto as pessoas no Facebook só podem ter uma conta que utilize sua “identidade autêntica”.

Embora a Meta tenha se comprometido a fornecer informações adicionais sobre essa relação para os usuários e a fornecer uma atualização sobre o seu progresso para o fim de 2021 em resposta a recomendações anteriores do Comitê, o Comitê está preocupado com o fato de que a empresa continue aplicando os Padrões da Comunidade do Facebook no Instagram sem dizer aos usuários, de forma transparente, que está fazendo isso. O Comitê não entende por que a Meta não é capaz de fornecer imediatamente aos usuários um maior grau de transparência atualizando o texto das Diretrizes. Embora possa haver motivos para que políticas específicas se apliquem em uma plataforma e não na outra, os usuários precisam saber quando isso acontece.

Este caso gera um grau de confusão particularmente elevado porque, na época em que o conteúdo foi publicado, ele não violava as Diretrizes da Comunidade do Instagram conforme comunicado ao usuário, mas violava os Padrões da Comunidade do Facebook. Naquele momento, as Diretrizes da Comunidade proibiam conteúdos relacionados com a compra e a venda de drogas ilegais e enfatizavam o cumprimento da lei. Como observado acima, tanto no Brasil, onde o usuário aparentemente reside, quanto nos Estados Unidos, onde se encontra a sede da Meta, existem certas exceções na legislação nacional que permitem o uso da ayahuasca no contexto religioso (e, no Brasil, indígena). Para o Comitê, não está claro como um usuário do Instagram deveria saber que esse conteúdo era proibido, já que o usuário não estava comprando nem vendendo drogas ilegais e acreditava estar cumprindo a lei.

Conforme mencionado acima, a Meta atualizou as Diretrizes da Comunidade do Instagram em 26 de outubro de 2021, para substituir a referência a “drogas ilegais ou medicamentos controlados” com “drogas não medicinais ou farmacêuticas” e adicionar a proibição de “conteúdos que admitam o uso pessoal (exceto no contexto de reabilitação) ou coordenem ou promovam o uso de drogas não medicinais”, que reflete o texto do Padrão da Comunidade sobre Produtos Regulamentados. Essa atualização fornece uma representação mais clara e precisa das regras que a Meta aplica.

O Comitê conclui também que as definições das substâncias nos termos do Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados não são suficientemente compreensíveis e transparentes para os usuários. O Padrão proíbe conteúdos relacionados com determinados produtos, incluindo armas de fogo, maconha, drogas farmacêuticas, drogas não medicinais e álcool e tabaco. A Meta não define drogas não medicinais para os usuários, mas informou ao Comitê que adota uma definição interna para os moderadores, assim como uma lista confidencial de drogas não medicinais.

Por fim, o usuário não foi informado sobre qual parte das políticas de conteúdo da Meta ele violou. Segundo a empresa, o usuário recebeu uma mensagem afirmando que a publicação fora removida por “promover o uso de drogas pesadas”. Como esse termo não aparece em lugar algum das Diretrizes da Comunidade do Instagram ou dos Padrões da Comunidade do Facebook, o Comitê conclui que a Meta não comunicou claramente a violação da política ao usuário. O Comitê fez recomendações a esse respeito em casos anteriores (veja a decisão sobre o caso 2021-005-FB-UA sobre o meme “Dois Botões” e a decisão sobre o caso 2020-005-FB-UA sobre uma citação nazista).

Com esses problemas, o Comitê conclui que a Meta não cumpriu sua responsabilidade de tornar as suas regras claras e acessíveis aos usuários. O Comitê reitera abaixo as recomendações anteriores sobre a relação entre as Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões da Comunidade do Facebook e a importância de informar os usuários sobre como seus conteúdos violaram a política da empresa.

II. Objetivo legítimo

Qualquer restrição de estado na expressão deve perseguir um dos objetivos legítimos listados no Artigo 19, parágrafo 3 do PIDCP. O Comitê concluiu que esses objetivos podem também motivar as políticas de conteúdo da Meta. Neste caso, a Meta citou a saúde pública como o objetivo da sua política, e o Comitê concorda que isso se qualifica como um objetivo legítimo.

III. Necessidade e proporcionalidade

O Comitê conclui que os padrões internacionais sobre a necessidade e a proporcionalidade apontam na direção de restaurar esse conteúdo no Instagram. O Comitê discorda também do argumento da Meta de que proibir os comentários positivos sobre a ayahuasca nesse conteúdo era necessário para proteger a saúde pública. Neste caso, o Comitê concluiu que não havia uma conexão direta e imediata entre o conteúdo, que essencialmente discutia sobre o uso da ayahuasca em contexto religioso, e a possibilidade de danos. O usuário não publicou instruções sobre o uso da ayahuasca nem informações sobre a disponibilidade da mesma. Tanto a Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 quanto a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Drogas Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 reconhecem exceções para substâncias que sejam “usadas tradicionalmente” e para “usos tradicionais lícitos, quando houver provas históricas desses usos”, respectivamente. A literatura científica indica que o uso da ayahuasca em um contexto controlado em cerimônias tradicionais e religiosas não está associado a um sério risco de danos. Com esses pontos, a regra atual que proíbe todas as discussões positivas sobre drogas não medicinais é excessivamente ampla.

O Comitê reconhece que as exceções desses instrumentos internacionais, bem como as decisões regionais e nacionais, dizem respeito à posse e ao uso, e não ao discurso. À luz da primazia da liberdade de expressão, o Comitê conclui que na maioria dos contextos não é necessário nem proporcional proibir um discurso que diz respeito a uma conduta que por sua vez é permitida sob uma exceção relevante.

A Meta argumentou que a discussão sobre os benefícios medicinais ou científicos da ayahuasca ou a defesa da sua legalidade não apresentariam um risco, mas que os comentários positivos sobre a ayahuasca, de maneira geral, em um contexto tradicional ou religioso apresentam um risco suficientemente grave para justificar a remoção. Na opinião do Comitê, a Meta não explicou adequadamente essa diferença e não é coerente com a sua abordagem de outras substâncias, como maconha, tabaco e álcool. A discussão positiva sobre essas substâncias é permitida, apesar do fato de que elas apresentam um sério risco à saúde.

O Comitê levou em consideração outras medidas com as quais a Meta pode promover o respeito pela saúde pública ao moderar conteúdos relacionados com drogas não medicinais. Atualmente, a Meta adverte os usuários que pesquisam determinados termos relacionados com drogas que eles podem estar procurando conteúdos que violam as políticas de conteúdo, e recomenda recursos para lidar com abuso de drogas. No entanto, essa resposta não parece ser gerada da mesma maneira para pesquisas que envolvem todas as drogas não medicinais, e não aparece ao se pesquisar por ayahuasca no Facebook ou no Instagram. A aplicação desse tipo de mensagens de forma mais coerente para usuários que procuram conteúdos relacionados com drogas pode ajudar a Meta a respeitar melhor a saúde pública.

Considerando-se que a remoção não estava em conformidade com os valores da Meta e que os princípios de direitos humanos e as leis internacionais apontam na direção de permitir essa expressão, o Comitê decidiu que o conteúdo deve ser restaurado. Alguns membros do Comitê, no entanto, enfatizaram que os conteúdos desse tipo podem ser restringidos em conformidade com os princípios de direitos humanos. Para esses membros, se a Meta tivesse uma política articulada e não arbitrária que restringisse a discussão positiva sobre drogas não medicinais, as normas de direitos humanos não impediriam a Meta, a título de empresa privada, de aplicar essa política.

Outros Membros acreditam que os Padrões da Comunidade do Facebook não estejam em contradição com as leis internacionais de direitos humanos, levando-se em consideração a aplicação em grande escala e a necessidade de assegurar a administrabilidade da regra. Para esses Membros, uma exceção ampla para drogas “tradicionais e religiosas” não seria administrável e ficaria provavelmente sujeita a usuários que tentariam contornar o sistema. Para aplicar uma exceção desse tipo seria necessário um exame caso por caso que daria lugar a um risco de incerteza significativa, o que favorece o estabelecimento de uma regra geral que possa ser aplicada mais facilmente (consulte para uma perspectiva comparativa: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Caso da Animal Defenders International contra o Reino Unido, parágrafo 108)

O Comitê recomenda abaixo que a Meta modifique suas regras sobre Produtos Regulamentados para permitir a discussão positiva sobre os usos tradicionais e religiosos de drogas não medicinais quando houver evidências históricas desses usos, e torne pública toda exceção a essas políticas.

Embora concorde com o fato de que as políticas da Meta devem ser alteradas, uma minoria do Comitê acredita que as afirmações positivas em geral sobre drogas não medicinais com uso tradicional ou religioso reconhecido não devam ser proibidas, independentemente do fato de elas discutirem ou não esses usos tradicionais ou religiosos. Essa minoria acredita que a Meta não deva se colocar na posição de tentar distinguir publicações que discutem positivamente práticas tradicionais e religiosas, pois acreditam que essa linha é excessivamente tênue para uma aplicação eficaz. Eles observam que essa modificação pode ser administrada mais facilmente removendo-se as drogas não medicinais com usos tradicionais e religiosos da lista de drogas interna e instruindo os moderadores de conteúdo a consultar a lista de drogas em caso de dúvidas.

9. Decisão do Comitê de Supervisão

O Comitê revoga a decisão da Meta de remover o conteúdo, exigindo que a publicação seja restaurada.

10. Declaração de parecer consultivo

Monitoramento

1. O Comitê reitera a sua recomendação feita por ocasião da decisão sobre o caso 2020-004-IG-UA e da decisão sobre o caso 2021-006-IG-UA de que a Meta explique aos usuários que ela aplica os Padrões da Comunidade do Facebook no Instagram, com várias exceções específicas. O Comitê observa a resposta da Meta a essas recomendações. Não obstante que a Meta venha a executar outras ações para implementar as recomendações, o Comitê recomenda que a Meta atualize a Introdução às Diretrizes da Comunidade do Instagram (as Diretrizes da Comunidade “Breves”) em um prazo de até 90 dias, para informar os usuários de que, se um conteúdo é considerado como violador no Facebook, ele também é considerado como violador no Instagram, conforme declarado na Central de Transparência da empresa, com algumas exceções.

2. O Comitê reitera a sua recomendação feita por ocasião da decisão sobre o caso 2021-005-FB-UA e da decisão sobre o caso 2020-005-FB-UA de que a Meta explique aos usuários qual foi exatamente a regra de uma política de conteúdo que eles violaram.

Política de Conteúdo

3. Para respeitar as diversas expressões e práticas tradicionais e religiosas, o Comitê recomenda que a Meta modifique as Diretrizes da Comunidade do Instagram e o Padrão da Comunidade do Facebook sobre Produtos Regulamentados para permitir a discussão positiva sobre usos tradicionais e religiosos de drogas não medicinais quando houver provas históricas desses usos. O Comitê recomenda também que a Meta torne públicas todas as exceções, incluindo as exceções existentes.

*Nota processual:

As decisões do Comitê de Supervisão são preparadas por grupos com cinco membros e aprovadas pela maioria do Comitê. As decisões do Comitê não representam, necessariamente, as opiniões pessoais de todos os membros.

Para a decisão sobre o caso em apreço, uma pesquisa independente foi contratada em nome do Comitê. Um instituto de pesquisa independente, com sede na Universidade de Gotemburgo e com uma equipe de mais de 50 cientistas sociais de seis continentes, bem como mais de 3.200 especialistas de nações do mundo todo, forneceu informações especializadas sobre contexto sociopolítico e cultural. A empresa Lionbridge Technologies, LLC, cujos especialistas são fluentes em mais de 350 idiomas e trabalham de 5.000 cidades pelo mundo, forneceu a consultoria linguística. O Comitê também foi auxiliado pela Duco Advisors, uma empresa de consultoria especializada na intercessão entre as áreas de geopolítica, de confiança e segurança e de tecnologia.

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