Anulado
Protestos na Colômbia
27 de Setembro de 2021
O Comitê de Supervisão revogou a decisão do Facebook de remover uma publicação que mostra um vídeo de manifestantes na Colômbia criticando o presidente do país, Ivan Duque.
Resumo do caso
O Comitê de Supervisão revogou a decisão do Facebook de remover uma publicação que mostra um vídeo de manifestantes na Colômbia criticando o presidente do país, Ivan Duque. No vídeo, os manifestantes usam uma palavra designada como calúnia segundo o Padrão da Comunidade do Facebook sobre discurso de ódio. Ao avaliar o valor de interesse público desse conteúdo, o Comitê concluiu que o Facebook devia ter aplicado a permissão de conteúdo de valor jornalístico, neste caso.
Sobre o caso
Em maio de 2021, a página do Facebook de um noticiário regional da Colômbia compartilhou uma publicação de outra página do Facebook sem acrescentar nenhuma legenda adicional. Essa publicação compartilhada é o conteúdo em questão neste caso. A publicação raiz original contém um vídeo breve que mostra um protesto na Colômbia, com pessoas carregando uma faixa em que está escrito “SOS COLOMBIA”.
Os manifestantes cantam em espanhol e se dirigem ao presidente da Colômbia, mencionando a reforma tributária proposta recentemente pelo governo colombiano. Na letra da música, eles chamam o presidente de “hijo de puta” uma vez e dizem a frase “deja de hacerte el marica en la tv” uma vez. O Facebook traduziu essas frases como “filho da puta” e “deixa de ser um viadinho na TV”. O vídeo é acompanhado por um texto em espanhol expressando admiração pelos manifestantes. A publicação compartilhada foi visualizada cerca de 19 mil vezes, e denunciada junto ao Facebook por menos de cinco usuários.
Principais conclusões
O Facebook removeu esse conteúdo porque ele continha a palavra “marica” (doravante redigida como “m**ica”). Isso violava o Padrão da Comunidade do Facebook sobre discurso de ódio, que não permite conteúdo que “descreva ou vise negativamente pessoas com calúnias” com base em características protegidas tais como a orientação sexual. O Facebook observou que embora, teoricamente, a permissão de conteúdo de valor jornalístico possa ser aplicada a esse conteúdo, a permissão só pode ser aplicada se os moderadores de conteúdo que analisaram inicialmente o conteúdo decidirem escalá-lo para análise adicional pela equipe de política de conteúdo do Facebook. Isso não ocorreu neste caso. O Comitê observa também que o Facebook não disponibiliza publicamente seus critérios para escalação.
A palavra “m**ica” foi designada como calúnia pelo Facebook com base no fato de ela ser intrinsecamente ofensiva e usada como um rótulo insultante e discriminatório principalmente contra homens homossexuais. Embora o Comitê concorde com o fato de que nenhuma das exceções atualmente listadas no Padrão da Comunidade do Facebook sobre discurso de ódio permita o uso de calúnia, que pode contribuir para criar um ambiente de intimidação e exclusão para pessoas LGBT, ele considera que a empresa deveria ter aplicado a permissão de conteúdo de valor jornalístico neste caso.
A permissão de conteúdo de valor jornalístico requer que o Facebook avalie o interesse público de permitir uma determinada expressão com relação ao risco de prejuízos decorrentes do fato de permitir conteúdo violador. Como parte desse processo, o Facebook leva em consideração a natureza do discurso e o contexto específico do país, como a estrutura política do país em questão e a ausência ou liberdade de imprensa.
Ao avaliar o valor do interesse público desse conteúdo, o Comitê observa que ele foi publicado durante protestos generalizados contra o governo colombiano em um momento significativo da história política do país. Embora seja evidente que os participantes usam o termo calunioso deliberadamente, ele é usado uma vez entre vários outros pronunciamentos, e o canto se concentra principalmente na crítica dirigida ao presidente do país.
O Comitê observa também que em um ambiente em que os canais de expressão política são limitados, as redes sociais constituíram uma plataforma para que todas as pessoas, incluindo jornalistas, compartilhem informações sobre os protestos. Aplicar a permissão de conteúdo de valor jornalístico neste caso significa que somente um conteúdo prejudicial excepcional e limitado seria permitido.
A decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão revoga a decisão do Facebook de remover o conteúdo e exige que a publicação seja restaurada.
Em uma declaração de parecer consultivo, o Comitê recomenda ao Facebook:
- Publicar exemplos ilustrativos da lista de calúnias designadas como violadoras do seu Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio, incluindo casos limítrofes em que determinadas palavras podem ser prejudiciais em alguns contextos mas não em outros.
- Vincular a breve explicação da permissão de conteúdo de valor jornalístico incluída na introdução aos Padrões da Comunidade à explicação mais detalhada contida na Central de Transparência do Facebook sobre como essa política é aplicada. A empresa deveria complementar essa explicação com exemplos ilustrativos de uma série de contextos, incluindo a reportagem de protestos em grande escala.
- Elaborar e publicizar critérios claros para os analistas de conteúdo escalarem para análise adicional os conteúdos de interesse público que potencialmente violem os Padrões da Comunidade mas que possam se qualificar para a permissão de conteúdo de valor jornalístico. Esses critérios deveriam incluir conteúdos que descrevem protestos amplos sobre questões políticas.
- Notificar a todos os usuários que denunciaram conteúdo avaliado como violador, mas que foi deixado na plataforma por motivos de interesse público, que a permissão de conteúdo de valor jornalístico foi aplicada à publicação em questão.
*Os resumos de caso dão uma visão geral da ocorrência e não têm valor precedente.
Decisão completa sobre o caso
1. Resumo da decisão
O Comitê de Supervisão revogou a decisão do Facebook de remover uma publicação no Facebook que mostra um vídeo de manifestantes na Colômbia criticando o presidente do país, Ivan Duque. No vídeo, manifestantes usaram uma palavra que o Facebook designou como uma calúnia que viola o seu Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio, por ser um ataque direto contra pessoas com base na orientação sexual delas. O Comitê concluiu que, embora à primeira vista a remoção estivesse em conformidade com o Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio (o que significa que tecnicamente o conteúdo violava o Padrão), a permissão de conteúdo de valor jornalístico deveria ter sido aplicada neste caso para manter o conteúdo na plataforma.
2. Descrição do caso
Em maio de 2021, a página do Facebook de um noticiário regional da Colômbia compartilhou uma publicação de outra página do Facebook sem acrescentar nenhuma legenda adicional. Essa publicação compartilhada é o conteúdo em questão neste caso. A publicação raiz original contém um vídeo breve (originalmente compartilhado no TikTok) que mostra um protesto na Colômbia, com pessoas carregando uma faixa em que está escrito “SOS COLOMBIA”. Os manifestantes cantam em espanhol e se dirigem ao presidente da Colômbia, mencionando a reforma tributária proposta recentemente pelo governo colombiano. Na letra da música, eles chamam o presidente de “hijo de puta” uma vez e dizem a frase “deja de hacerte el marica en la tv” uma vez. O Facebook traduziu essas expressões como “filho da puta” e “deixa de ser um viadinho na TV”. O vídeo, que dura 22 segundos, é acompanhado por um texto em espanhol expressando admiração pelos manifestantes.
A publicação compartilhada foi visualizada cerca de 19 mil vezes e compartilhada mais de 70 vezes. Menos de cinco usuários denunciaram o conteúdo. Após uma análise humana, o Facebook removeu a publicação compartilhada, de acordo com sua política sobre discurso de ódio. Segundo o seu Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio, o Facebook remove conteúdo que “descreva ou vise negativamente pessoas com calúnias, as quais são definidas como palavras intrinsecamente ofensivas e usadas como rótulos insultantes” com base em características protegidas, incluindo a orientação sexual. A palavra “m**ica” (doravante redigida como “m**ica”) está na lista de palavras caluniosas que o Facebook proíbe. O usuário que publicou a publicação compartilhada apelou da decisão do Facebook. Após uma análise humana adicional, o Facebook manteve a sua decisão original de remover o conteúdo. O Facebook também removeu da plataforma a publicação raiz original.
3. Autoridade e escopo
O Comitê tem autoridade para analisar a decisão do Facebook após uma apelação do usuário cuja publicação foi removida (Artigo 2, Seção 1 do Estatuto; Artigo 2, Seção 2.1 dos Regulamentos Internos). O Comitê pode manter ou reverter essa decisão (Artigo 3, Seção 5 do Estatuto).
As decisões do Comitê são vinculativas e podem incluir declarações de parecer consultivo com recomendações. Essas recomendações não são vinculativas, mas o Facebook deve responder a elas (Artigo 3, Seção 4 do Estatuto).
4. Padrões relevantes
Em sua decisão, o Comitê de Supervisão considerou os seguintes padrões:
I. Padrões da Comunidade do Facebook:
No fundamento da política do Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio, o Facebook estabelece que o discurso de ódio não é permitido na plataforma “por criar um ambiente de intimidação e de exclusão que, em alguns casos, pode promover violência no mundo real”.
O Padrão da Comunidade define discurso de ódio como “um ataque direto a pessoas, e não a conceitos e instituições, com base no que chamamos de características protegidas: raça, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual, casta, sexo, gênero, identidade de gênero e doença grave ou deficiência”. Ele proíbe conteúdo que “descreva ou vise negativamente pessoas com calúnias, as quais são definidas como palavras intrinsecamente ofensivas e usadas como rótulos insultantes para as características listadas acima”.
II. Valores do Facebook:
Os valores do Facebook são descritos na introdução aos Padrões da Comunidade. O valor "Voz" é definido como "fundamental":
o objetivo de nossos Padrões da Comunidade sempre foi criar um local de expressão e dar voz às pessoas. [...] Queremos que as pessoas possam falar abertamente sobre os assuntos importantes para elas, ainda que sejam temas que geram controvérsias e objeções.
O Facebook limita a “Voz” em nome de quatro valores; neste caso, o valor relevante é “Dignidade”:
“Dignidade”: acreditamos que todas as pessoas são iguais no que diz respeito à dignidade e aos direitos. Esperamos que as pessoas respeitem a dignidade alheia e não assediem nem difamem outras pessoas.
III. Padrões de Direitos Humanos:
Os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs, na sigla em inglês), endossados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011, estabelecem uma estrutura voluntária de responsabilidades sobre direitos humanos das empresas privadas. Neste caso, os seguintes Padrões de Direitos Humanos foram levados em consideração na análise que o Comitê fez das responsabilidades do Facebook em termos de direitos humanos:
- O direito de liberdade de opinião e expressão: Article 19, International Covenant on Civil and Political Rights (Artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, PIDCP, na sigla em inglês); General comment No. 34, Human Rights Committee, de 2011 (Comentário geral n.º 34, do Comitê de Direitos Humanos, de 2011); Relator Especial da ONU sobre os relatórios de liberdade de opinião e expressão: A/HRC/38/35 (2018) e A/74/486 (2019).
- Direito à não discriminação: Artigo 2, parágrafo 1 e Artigo 26, PIDCP; Comentário Geral N° 18, Comitê de Direitos Humanos 1989; Resolução 32/2 do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a proteção contra a violência e a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero, 2016; Especialista independente da ONU sobre a proteção contra a violência e a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero, relatórios: A/HRC/35/36 (2017) e A/HRC/38/43 (2018).
- Direito de reunião pacífica: Artigo 21, PIDCP, Comentário Geral N° 37, Comitê de Direitos Humanos, 2020; Relator Especial da ONU sobre a liberdade de reunião pacífica e de associação, relatório A/HRC/41/41 (2019).
5. Declaração do usuário
O usuário, que é o administrador da página na qual o conteúdo foi publicado, apresentou uma apelação junto ao Comitê em espanhol. Na apelação, o usuário declara ser um jornalista que estava cobrindo notícias locais da província dele. O usuário alega que o conteúdo foi publicado por outra pessoa que pegou o smartphone dele, mas que, apesar disso, não havia intenção de que esse conteúdo causasse prejuízos, e que o conteúdo mostrava protestos em tempos de crise. O usuário afirma que visa seguir as políticas do Facebook e alega que essa remoção resultou em penalidades na conta.
O usuário afirma também que o conteúdo mostra jovens protestando no contexto de liberdade de expressão e protesto pacífico, e que os jovens estão se expressando sem violência e exigindo direitos por meio de uma linguagem típica. O usuário expressa também preocupação com a repressão dos protestos pelo governo.
6. Explicação sobre a decisão do Facebook
O Facebook removeu esse conteúdo com base no fato de que ele continha a palavra “m**ica”, e portanto, violava o Padrão da Comunidade do Facebook sobre discurso de ódio, que proíbe “[c]onteúdo que descreva ou vise negativamente pessoas com calúnias, definidas como palavras intrinsecamente ofensivas e usadas como rótulos insultantes para as características listadas acima [ou seja, uma característica protegida]”. A palavra “m**ica” está na lista de palavras caluniosas que o Facebook proíbe, devido ao fato de que ela visa pessoas com base na orientação sexual delas.
O Facebook afirma que não há exceção para o uso de calúnias contra líderes políticos ou figuras públicas. Além disso, o Facebook observa que “não importa se a pessoa que fala ou a pessoa visada são membros do grupo de características protegidas que está sendo atacado. Como as calúnias são termos intrinsecamente ofensivos para um grupo definido por sua característica protegida, o uso de calúnias não [é] permitido, a não ser que o usuário tenha demonstrado claramente que [a calúnia] foi compartilhada para condenar, discutir ou conscientizar sobre a calúnia, ou que a calúnia é usada de forma autorreferencial ou empoderadora”.
Quanto à possibilidade da permissão de conteúdo de valor jornalístico ser aplicada a esse conteúdo, o Facebook explicou que ela só pode ser aplicada se os moderadores de conteúdo que analisaram inicialmente o conteúdo decidirem escalá-lo para análise adicional pela equipe de política de conteúdo do Facebook. Neste caso, o conteúdo não foi escalado para análise adicional. O Comitê observa que o Facebook não disponibiliza publicamente seus critérios para escalação. Ele afirmou que “a permissão de conteúdo de valor jornalístico, teoricamente, poderia ser aplicada a um conteúdo desse tipo. Neste caso, porém, o valor do interesse público não supera o risco de prejuízo decorrente de permitir que um conteúdo que contém um rótulo intrinsecamente ofensivo e insultante permaneça na plataforma do Facebook.”
7. Envios de terceiros
O Comitê de Supervisão recebeu 18 comentários públicos relacionados a este caso. Cinco dos comentários foram enviados da Ásia Pacífico e da Oceania, um da Europa, sete da América Latina e do Caribe, um do Oriente Médio e da África do Norte e quatro dos Estados Unidos e do Canadá.
Os envios abrangiam os seguintes temas: os vários significados e usos da palavra “m**ica” na Colômbia, preocupação de que o Facebook remova conteúdo jornalístico; censura dos canais de mídia na Colômbia; e análise para determinar se o conteúdo está em conformidade com os Padrões da Comunidade.
Para ler os comentários públicos enviados sobre este caso, clique aqui.
8. Análise do Comitê de Supervisão
O Comitê avaliou se esse conteúdo deve ser restaurado com base em três óticas: os Padrões da Comunidade do Facebook, os valores da empresa e suas responsabilidades sobre os direitos humanos.
8.1 Conformidade com os Padrões da Comunidade
O Comitê considera que, embora à primeira vista, a decisão do Facebook de remover o conteúdo estivesse em conformidade com o Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio (o que significa que tecnicamente o conteúdo violava o Padrão), a permissão de conteúdo de valor jornalístico deveria ter sido aplicado neste caso para permitir que o conteúdo permanecesse na plataforma.
A palavra “m**ica” foi designada como calúnia pelo Facebook com base no fato de ela ser intrinsecamente ofensiva e usada como rótulo insultante e discriminatório, principalmente contra homens homossexuais. Conforme observado na seção 6, o Facebook explicou ao Comitê que nem a orientação sexual nem o status de figura pública da pessoa visada são relevantes para o monitoramento dessa política. Dado que as calúnias discriminatórias são intrinsecamente ofensivas, o uso de calúnias não é permitido, a não ser que se aplique uma exceção à política. Essas exceções permitem o compartilhamento de calúnias para condenar, discutir ou promover a conscientização do discurso de ódio ou quando usadas de forma autorreferencial ou empoderadora.
O Comitê procurou contribuições de especialistas e comentários públicos que confirmaram que a palavra “m**ica” tem vários significados e pode ser usada sem intenção discriminatória. No entanto, existe um consenso de que as suas origens são homofóbicas, principalmente contra homens homossexuais, embora o seu uso tenha evoluído, ao que consta, para uso comum na Colômbia para se referir a uma pessoa como “amigo” ou “cara” e como um insulto equivalente a “burro”, “bobo” ou “idiota”. O Comitê observa que essa evolução ou normalização não significa, necessariamente, que o uso do termo seja menos prejudicial para os homens homossexuais, pois esse uso informal pode continuar a marginalizar pessoas e comunidades de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) ao associá-las implicitamente a características negativas.
O Comitê entende por que o Facebook designou essa palavra como uma calúnia e concorda que nenhuma das exceções listadas atualmente no Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio se aplica explicitamente para permitir o seu uso na plataforma. Apesar disso, o Comitê considera que a permissão de conteúdo de valor jornalístico deveria ter sido aplicado para permitir que o conteúdo em questão permanecesse na plataforma.
O Facebook forneceu mais informações públicas sobre a permissão de conteúdo de valor jornalístico em resposta às recomendações do Comitê no caso 2021-001-FB-FBR. Essa tolerância requer que a empresa avalie o interesse público de expressão com relação ao risco de prejuízos decorrentes do fato de tolerar conteúdo violador na plataforma. O Facebook afirma que leva em consideração as circunstâncias específicas do país, a natureza do discurso, inclusive se ele está relacionado com governança ou política, e a estrutura política do país, incluindo o fato de este ter ou não uma imprensa livre. A tolerância não é aplicada com base na identidade da pessoa que fala como jornalista ou canal de mídia, ou simplesmente porque o assunto está nas notícias.
Há vários fatores contextuais pertinentes para avaliar o interesse público desse conteúdo. Ele foi publicado durante protestos generalizados contra o governo colombiano. O canto no vídeo se concentrava principalmente na crítica dirigida ao presidente. Embora os participantes pareçam usar o termo calunioso deliberadamente, o protesto não era discriminatório com relação aos seus objetivos. O termo calunioso é usado uma vez, entre vários outros pronunciamentos. Nos casos em que um usuário compartilhe vídeo para aumentar o reconhecimento dos protestos e para expressar apoio para a causa destes, e não para insultar pessoas com base nas características protegidas nem para incitar discriminação ou violência, a exceção para conteúdo interessante é particularmente aplicável.
O Comitê enfatiza que a aplicação da permissão de conteúdo de valor jornalístico neste caso não deve ser interpretada como endosso da linguagem que os manifestantes usaram. O Comitê reconhece que o termo usado pelos manifestantes nesse vídeo é ofensivo para os homens homossexuais, inclusive na Colômbia, e que seu uso poderia gerar um risco de prejuízo. Tolerar essas calúnias na plataforma pode contribuir para criar um ambiente de intimidação e exclusão para as pessoas LGBT e, em alguns casos, promover a violência no mundo real. Essa linguagem não tem valor intrínseco para o interesse público. Por outro lado, há interesse público em permitir na plataforma a expressão relacionada com um momento significativo da história política da Colômbia.
O Comitê observa também que as redes sociais têm desempenhado um papel importante ao oferecer uma plataforma para que todas as pessoas, incluindo os jornalistas, compartilhem informações sobre os protestos, em um ambiente em que os comentários públicos e os relatórios de especialistas sugerem que o panorama da mídia se beneficiaria com um maior pluralismo. Permitir o conteúdo por meio da aplicação da permissão de conteúdo de valor jornalístico significa que somente conteúdo prejudicial excepcional e limitado seria permitido. A exceção para conteúdo de valor jornalístico não deve ser interpretada como uma permissão ampla para que o discurso de ódio permaneça na plataforma.
8.2 Conformidade com os valores do Facebook
O Comitê considera que restaurar esse conteúdo é consistente com os valores do Facebook. O Facebook lista a “Dignidade” como um de seus valores. O Comitê compartilha a preocupação do Facebook de que permitir que calúnias intolerantes proliferem na plataforma pode causar prejuízo à dignidade de membros das comunidades visadas por essas calúnias. O Comitê reconhece também que o uso da calúnia, neste caso específico, pode ser degradante e prejudicial aos membros da comunidade LGBT.
Ao mesmo tempo, o Facebook indicou que a “Voz” não é apenas um de seus valores, mas é o seu valor “fundamental”. O compartilhamento de um conteúdo que mostra protestos generalizados contra um líder político representa o valor “Voz” em seu ápice, particularmente em um ambiente em que os canais de expressão política são limitados. A aplicação da permissão de conteúdo de valor jornalístico à política sobre calúnias nesse contexto (o compartilhamento de informações sobre protestos políticos contra um líder nacional) permite que o Facebook cumpra o seu compromisso fundamental com a “Voz” sem sacrificar seu compromisso legítimo com a “Dignidade”.
8.3 Conformidade com as responsabilidades sobre direitos humanos do Facebook
O Comitê considera que restaurar o conteúdo é consistente com as responsabilidades do Facebook com os direitos humanos como empresa. O Facebook se comprometeu a respeitar os direitos humanos de acordo com os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs). Sua Política Corporativa de Direitos Humanos afirma que isso também inclui o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
Liberdade de expressão e liberdade de reunião pacífica (artigos 19 e 21 do PIDCP)
O artigo 19 do PIDCP fornece ampla defesa da expressão. Essa proteção é “particularmente alta” para o “debate público em uma sociedade democrática a respeito de figuras do domínio público e político” (Comentário Geral 34, parágrafo 34). O artigo 21 do PIDCP prevê uma proteção semelhante para a liberdade de reunião pacífica; às reuniões com uma mensagem política é dedicada uma proteção ainda mais alta (Comentário Geral 37, parágrafos 32 e 49), e o artigo 21 estende a proteção a atividades associadas realizadas online (Ibid., parágrafos 6 e 34). O Comitê de Direitos Humanos enfatizou também o papel dos jornalistas, dos defensores dos direitos humanos e dos monitores de eleições e outras pessoas que monitoram ou relatam manifestações, inclusive com relação à conduta dos agentes de aplicação da lei (Ibid., parágrafos 30 e 94). A interferência nas comunicações online sobre manifestações tem sido interpretada como algo que prejudica o direito à liberdade de reunião pacífica (Ibid., parágrafo 10).
O artigo 19 exige que, quando um estado impõe restrições à expressão, elas devem atender aos requisitos de legalidade, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade (artigo 19, parágrafo 3, PIDCP)
O Facebook reconheceu as respectivas responsabilidades de respeitar os padrões internacionais de direitos humanos em conformidade com os UNGPs. Com base no quadro dos UNGPs, o Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Opinião e Expressão exortou as empresas de redes sociais a assegurar que suas regras sobre conteúdo sejam orientadas pelos requisitos do Artigo 19, parágrafo 3, PIDCP ( consulte A/HRC/38/35, parágrafos 45 e 70). O Comitê examinou se a remoção da publicação se justificaria com base no teste em três partes para as restrições à liberdade de expressão nos termos do artigo 19 de acordo com os compromissos do Facebook com relação aos direitos humanos.
I. Legalidade (clareza e acessibilidade das regras)
O princípio da legalidade no direito internacional dos direitos humanos exige que as regras usadas para limitar a expressão sejam claras, precisas, acessíveis publicamente e não discriminatórias (Comentário Geral 34, parágrafo 25 e 26). O Comitê de Direitos Humanos observou também que as regras “não podem conceder liberdade de ação irrestrita para a restrição da liberdade de expressão aos encarregados de executá-las” (Comentário Geral 34, parágrafo 25).
Embora o Padrão da Comunidade do Facebook sobre discurso de ódio especifique que as calúnias relacionadas com características protegidas são proibidas, a lista específica de palavras que o Facebook designou como calúnias em diferentes contextos não está disponível publicamente. Como a palavra “m**ica” pode ser usada de diferentes maneiras, pode não ficar claro para os usuários que essa palavra infringe a proibição do Facebook contra calúnias. O Facebook deveria fornecer ao público mais informações sobre a sua lista de calúnias, para permitir que os usuários regulem a conduta deles em função disso. O Comitê fez a recomendação de política abaixo a esse respeito.
O Comitê recomendou, no caso 2021-001-FB-FBR, que o Facebook produza mais informações para ajudar os usuários a entender e a avaliar o processo e os critérios de aplicação da permissão de conteúdo de valor jornalístico. Em resposta, o Facebook publicou mais informações na sua Central de Transparência e afirmou que, a partir de 2022, começaria a fornecer atualizações regulares nos Relatórios de Aplicação de Padrões da Comunidade sobre o número de vezes que essa permissão foi aplicada. No entanto, a explicação mais limitada da permissão de conteúdo de valor jornalístico na introdução aos Padrões da Comunidade não contém nenhum link ao recurso da Central de Transparência. Embora o Comitê observe o compromisso de fornecer mais informações nos Relatórios de Aplicação, isso não fornecerá informações aos usuários que publicam ou visualizam conteúdos que recebem uma permissão.
No caso 2020-003-FB-UA, o Comitê recomendou que o Facebook forneça aos usuários mais detalhes sobre as partes específicas da política sobre discurso de ódio que o respectivo conteúdo violou, de forma que os usuários possam regular seu comportamento em função disso. O Comitê observa que existe uma distinção a ser feita nesta questão. O caso 2020-003-FB-UA se referia a um conteúdo originalmente criado pelo próprio usuário, que podia ser facilmente editado mediante notificação, enquanto este caso se refere a um conteúdo que mostra eventos públicos. Apesar disso, o Comitê entende que é importante que os usuários recebam informações claras sobre por que seu conteúdo é removido, como regra geral. O Comitê agradece a atualização que o Facebook providenciou em julho de 2021 sobre os esforços da empresa em implementar essa recomendação, a qual, ao ser implementada em todos os idiomas, deverá disponibilizar mais informações para os usuários cujo conteúdo é removido devido ao uso de calúnias. O Comitê incentiva o Facebook a fornecer linhas do tempo mais claras para a implementação dessa recomendação em idiomas que não sejam o inglês.
II. Objetivo legítimo
Qualquer restrição na expressão deve perseguir um dos objetivos legítimos listados no PIDCP, que incluem os “direitos dos outros”. Nesse caso, a política atendeu o objetivo legítimo de proteger os direitos de terceiros (Comentário Gera Nº 34, parágrafo 28) à igualdade, proteção contra a violência e discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero (Artigo 2, parágrafo 1, Artigo 26 PIDCP; Comitê de Direitos Humanos da ONU, Toonen vs. Austrália (1992) e Comentário Geral 37, parágrafo 25; Resolução 32/2 do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a proteção contra a violência e a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero).
III. Necessidade e proporcionalidade
Qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser apropriada para cumprir sua função protetora e deve ser o instrumento menos intrusivo entre aqueles que podem cumprir sua função protetora (Comentário Geral 34, parágrafo 34).
O Comitê considera que não era necessário nem proporcional remover o conteúdo neste caso. Conforme discutido acima na seção 8.1, o Comitê reconhece o potencial de prejuízos aos direitos das pessoas LGBT decorrentes de permitir a permanência de calúnias na plataforma. No entanto, o contexto é crucial para avaliar a proporcionalidade da remoção do conteúdo. O Relator Especial da ONU para a liberdade de expressão declarou, em relação ao discurso de ódio, que, “ao avaliar o contexto, pode-se decidir fazer uma exceção em alguns casos, quando o conteúdo deve ser protegido, por exemplo, o discurso político” (A/74/486, parágrafo 47(d)).
Levando em consideração o contexto político na Colômbia, o fato de que esse protesto se dirigia a uma figura política e o papel significativo que as redes sociais desempenharam no compartilhamento de informações sobre os protestos nesse país, o Comitê considera que a remoção desse conteúdo não era proporcional para alcançar o objetivo de proteger os direitos à não discriminação e à igualdade das pessoas LGBT.
Direito de reunião pacífica
Para uma minoria do Comitê, também é importante avaliar a restrição do conteúdo neste caso quanto ao seu impacto no direito à liberdade de reunião pacífica. Os jornalistas e outros observadores desempenham um papel importante na amplificação da expressão coletiva e no poder associativo dos protestos por meio da disseminação online de vídeos desses eventos. Esses atos são protegidos pelo artigo 21 do PIDCP (Comentário Geral 37, parágrafo 34).
A minoria em questão acredita que avaliar as restrições ao direito de reunião pacífica seja essencialmente semelhante ao teste para avaliar as restrições ao direito à liberdade de expressão. As restrições ao direito à liberdade de reunião pacífica devem ser definidas com precisão, cumprindo os requisitos de legalidade, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade (ibid., parágrafos 8 e 36). O Relator Especial da ONU sobre liberdade de reunião pacífica e de associação também apelou às empresas envolvidas em moderação de conteúdo a se orientarem pelas leis internacionais de direitos humanos (consulte A/HRC/41/41, parágrafo 19), observando “o enorme poder do Facebook” ( Ibid., parágrafo 4). O Comitê de Direitos Humanos observou que a propriedade privada das plataformas de comunicação deve ser levada em consideração para se ter uma compreensão contemporânea do quadro jurídico necessário para o artigo 21 do PIDCP (op. cit. parágrafos 10 e 34) .
A análise em três parte acima, da qual a minoria participa, leva a uma conclusão adicional da minoria de que a remoção pelo Facebook do conteúdo neste caso prejudicou o direito à liberdade de reunião pacífica, e que a restrição não era justificada.
9. Decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão revoga a decisão do Facebook de remover o conteúdo e exige que a publicação seja recuperada.
10. Declaração de parecer consultivo
As recomendações abaixo estão numeradas e o Comitê solicita que o Facebook forneça uma resposta individual a cada uma delas, conforme o redigido.
Política de conteúdo
Para esclarecer melhor aos usuários as suas regras sobre discurso de ódio e como se aplica a permissão de conteúdo de valor jornalístico, o Facebook deveria:
1. Publicar exemplos ilustrativos com base na lista de calúnias designadas como violadoras pelo Padrão da Comunidade sobre discurso de ódio. Esses exemplos deveriam ser incluídos no Padrão da Comunidade e incluir casos limítrofes que envolvam palavras que podem ser prejudiciais em alguns contextos mas não em outros, descrevendo quando o seu uso seria violador. O Facebook deveria esclarecer aos usuários que esses exemplos não constituem uma lista completa.
2. Vincular a breve explicação da permissão de conteúdo de valor jornalístico incluída na introdução aos Padrões da Comunidade à explicação mais detalhada contida na Central de Transparência sobre como essa política é aplicada. A empresa deveria complementar essa explicação com exemplos ilustrativos de uma variedade de contextos, incluindo a reportagem de protestos em grande escala.
Monitoramento
Como salvaguarda contra a remoção indevida de conteúdo de interesse público, e para assegurar o fornecimento de informação adequada aos usuários que relatam esse tipo de conteúdo, o Facebook deveria:
3. Elaborar e publicizar critérios claros para os analistas de conteúdo escalonarem para análise adicional os conteúdos de interesse público que potencialmente violem os Padrões da Comunidade mas que possam se qualificar para a permissão de conteúdo de valor jornalístico. Esses critérios deveriam abranger conteúdos que descrevem protestos amplos sobre questões políticas, em particular em contextos em que os estados são acusados de violar os direitos humanos e para os quais manter um registro público dos eventos é de grande importância.
4. Notificar a todos os usuários que denunciaram conteúdo avaliado como violador mas deixado na plataforma por motivos de interesse público que foi aplicada a permissão de conteúdo de valor jornalístico à publicação em questão. O aviso deveria incluir um link para a explicação sobre a permissão de conteúdo de valor jornalístico contida na Central de Transparência.
*Nota processual:
As decisões do Comitê de Supervisão são preparadas por grupos com cinco membros e aprovadas pela maioria do Comitê. As decisões do Comitê não representam, necessariamente, as opiniões pessoais de todos os membros.
Para a decisão sobre o caso em apreço, uma pesquisa independente foi contratada em nome do Comitê. Um instituto de pesquisa independente, com sede na Universidade de Gotemburgo e com uma equipe de mais de 50 cientistas sociais de seis continentes, bem como mais de 3.200 especialistas de nações do mundo todo, forneceu informações especializadas sobre contexto sociopolítico e cultural. A empresa Lionbridge Technologies, LLC, cujos especialistas são fluentes em mais de 350 idiomas e trabalham de 5.000 cidades pelo mundo, forneceu a consultoria linguística.
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