Anulado
Primeiro-ministro do Camboja
O Comitê de Supervisão revogou a decisão da Meta de manter um vídeo no Facebook em que o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, ameaça seus adversários políticos com violência.
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Resumo do caso
O Comitê de Supervisão revogou a decisão da Meta de manter um vídeo no Facebook em que o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, ameaça seus adversários políticos com violência. Dada a gravidade dessa violação e o histórico de violações aos direitos humanos e intimidações a adversários políticos cometidas por Hun Sen, assim como seu uso estratégico das redes sociais para amplificar essas ameaças, o Comitê solicita que a Meta suspenda imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram do primeiro-ministro cambojano por seis meses.
Sobre o caso
Em 9 de janeiro de 2023, a página do Facebook oficial do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, realizou uma transmissão ao vivo.
O vídeo retrata um discurso realizado por Hun Sen em khmer, idioma oficial do Camboja, com duração de uma hora e 41 minutos. No discurso, ele responde às alegações de que o seu Partido Popular do Camboja (CPP, na sigla em inglês), atualmente no poder, roubou votos durante as eleições locais do país em 2022. Ele pede que os adversários políticos responsáveis pelas alegações escolham entre o “legal system” (sistema jurídico) ou “a bat” (um cassetete) e afirma ainda que, caso não escolham o sistema jurídico, ele “will gather CPP people to protest and beat you up” (vai convocar apoiadores do CPP para protestar e agredi-los). Ele também faz menção a “sending gangsters to [your] house” (enviar capangas para a [sua] casa) e diz que pode “arrest a traitor with sufficient evidence at midnight” (prender um traidor com evidências suficientes à meia-noite). Mais à frente no discurso, entretanto, ele afirma que “we don’t incite people and encourage people to use force” (nós não incitamos as pessoas e não as encorajamos a recorrer à força). Após a transmissão, o vídeo foi automaticamente carregado na página do Facebook de Hun Sen, na qual teve cerca de 600 mil visualizações.
Entre 9 e 26 de janeiro de 2023, três usuários denunciaram o vídeo cinco vezes por violar os Padrões da Comunidade da Meta sobre Violência e Incitação, que proíbe “ameaças que possam causar morte” (violência de alta gravidade) e “ameaças que causem ferimentos graves” (violência de média gravidade), incluindo “[d]eclarações de intenção de cometer violência”. Após a apelação dos usuários que denunciaram o conteúdo, ele foi avaliado por dois analistas humanos, que concluíram que ele não violava as políticas da Meta. Concomitantemente, o conteúdo foi encaminhado a especialistas em políticas e no assunto em questão dentro da Meta, que determinaram que ele violava os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação, mas aplicaram uma tolerância a conteúdo de interesse jornalístico. Esse tipo de tolerância permite que um conteúdo, de outra forma em violação, seja mantido caso a sua utilidade pública supere o risco de danos.
Um dos usuários que denunciou o conteúdo fez uma apelação da decisão da Meta ao Comitê de Supervisão, enquanto a empresa indicou separadamente o caso ao Comitê. Na indicação, a Meta afirmou que o caso envolvia um equilíbrio desafiador entre seus valores “Segurança” e “Voz” para determinar quando permitir que o discurso feito por um líder político que viole a sua política sobre violência e incitação seja mantido nas plataformas da empresa.
Principais conclusões
O Comitê conclui que o vídeo em questão nesse caso incluía afirmações indiscutíveis de intenção de cometer violência contra os adversários políticos de Hun Sen, o que claramente viola a política sobre violência e incitação. O uso de termos como “bat” (cassetete) e “sending gangsters to [your] house” (enviar capangas para a [sua] casa) ou “legal action” (ação judicial), incluindo prisões à meia-noite, pode ser considerado incitação à violência e assédio judicial.
O Comitê conclui ainda que a Meta agiu de forma errada ao aplicar uma tolerância de interesse jornalístico nesse caso, visto que os danos causados por permitir que o conteúdo continue na plataforma superam o seu valor de utilidade pública. Considerando o alcance de Hun Sen nas redes sociais, permitir esse tipo de manifestação no Facebook faz com que as suas ameaças se espalhem de forma mais ampla. Como resultado disso, as plataformas da Meta também acabam por contribuir com esses danos ao amplificar as ameaças e a intimidação decorrente delas.
O Comitê também demonstra preocupação com a campanha contínua de assédio e intimidação por um líder político contra a mídia independente e com a possibilidade da oposição política se tornar um fator na análise de interesse jornalístico, o que leva o conteúdo violador a não ser removido e a conta a não sofrer penalidades. Esse tipo de comportamento não deveria ser recompensado. A Meta deveria considerar com mais acuidade a liberdade de imprensa ao avaliar o interesse jornalístico para evitar que essa tolerância seja aplicada a discursos governamentais quando o próprio governo impulsiona o interesse no seu conteúdo limitando a livre imprensa.
O Comitê insiste que a Meta esclareça que a sua política sobre a restrição de contas de figuras públicas não se limita apenas a incidentes isolados de violência e agitação civil, mas também a contextos nos quais cidadãos estão sob constante ameaça de violência retaliatória pelo governo.
Nesse caso, dada a gravidade da violação, o histórico de outras violações aos direitos humanos e intimidações a adversários políticos cometidas por Hun Sen e o seu uso estratégico das redes sociais para amplificar essas ameaças, o Comitê solicita que a Meta suspenda imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram do primeiro-ministro por seis meses.
A decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão revoga a decisão da Meta de manter o conteúdo e exige que a publicação seja removida.
O Comitê recomenda que a Meta:
- Suspenda imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram oficiais do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, por um período de seis meses, de acordo com a política da Meta sobre a restrição de contas de figuras públicas durante agitações civis. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta suspender as contas e fizer um pronunciamento público confirmando que isso foi feito.
- Esclareça que a sua política sobre a restrição de contas de figuras públicas é aplicável em contextos nos quais cidadãos estão sob ameaça contínua de violência retaliatória pelo governo. A política deve deixar claro que não se restringe apenas a incidentes isolados de agitação civil e violência, mas é aplicável também quando o governo suprime manifestações políticas preventivamente ou reage a elas com violência ou ameaças de violência.
- Atualize a sua tolerância de interesse jornalístico para afirmar que conteúdo incitando diretamente à violência não será qualificado para a permissão, sujeito às exceções existentes para a política.
- Atualize os seus sistemas de priorização de análise para garantir que o conteúdo de líderes políticos e autoridades governamentais que possivelmente violou a política sobre violência e incitação seja priorizado de forma consistente para uma análise humana imediata.
- Implemente alterações nas diretrizes operacionais ou do produto para possibilitar uma análise mais precisa de vídeos longos (por exemplo, o uso de algoritmos para a previsão do registro de tempo da violação, garantindo um tempo de análise proporcional comparado à duração do vídeo, permitindo que os vídeos sejam reproduzidos nas velocidades 1,5x ou 2x etc.).
- Divulgue publicamente o alcance das medidas tomadas e os motivos por trás da decisão para o caso do primeiro-ministro Hun Sen, incluindo todas as medidas a nível de contas adotadas contra líderes políticos e autoridades governamentais.
* Os resumos de caso dão uma visão geral da ocorrência e não têm valor precedente.
Decisão completa sobre o caso
1. Resumo da decisão
O Comitê de Supervisão revogou a decisão da Meta de manter um vídeo no Facebook com uma tolerância a conteúdo de interesse jornalístico em que o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, ameaçou seus adversários políticos com violência. A Meta indicou esse caso ao Comitê porque ele suscita questões desafiadoras sobre o equilíbrio entre a necessidade de permitir que as pessoas tenham acesso aos pronunciamentos dos seus líderes políticos e a necessidade de evitar que esses líderes usem a plataforma para ameaçar os seus oponentes com violência ou intimidar as outras pessoas a se engajar politicamente.
O Comitê conclui que os comentários de Hun Sen violaram os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação. Além disso, ele também atesta que a decisão da Meta de que o conteúdo gerava interesse jornalístico suficiente para mantê-lo na plataforma, apesar da violação, estava incorreta. O Comitê, portanto, conclui que o conteúdo deve ser removido da plataforma. Ademais, considerando a gravidade da violação, o contexto político do Camboja, o histórico do governo de violações aos direitos humanos, o histórico de Hun Sen de incitação à violência contra seus adversários políticos e seu uso estratégico das redes sociais para amplificar essas ameaças, o Comitê defende que a Meta deve suspender imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram oficiais do líder cambojano por seis meses.
2. Descrição do caso e histórico
Em 9 de janeiro de 2023, a página do Facebook oficial do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, fez uma transmissão ao vivo. O vídeo retrata um discurso de uma hora e 41 minutos realizado por Hun Sen em khmer, idioma oficial do país, durante a cerimônia de abertura de um projeto nacional de expansão rodoviária em Kampong Cham. No discurso, ele responde às alegações de que o seu Partido Popular do Camboja (CPP, na sigla em inglês), atualmente no poder, roubou votos durante as eleições locais do país em 2022. Ele pede que os adversários políticos responsáveis pelas alegações escolham entre o “legal system” (sistema jurídico) ou “a bat” (um cassetete) e afirma ainda que, caso não escolham o sistema jurídico, ele “will gather CPP people to protest and beat you up” (vai convocar apoiadores do CPP para protestar e agredi-los). Ele acrescenta ainda que “if you say that’s freedom of expression, I will also express my freedom by sending people to your place and home” (se vocês dizem que isso é liberdade de expressão, eu também vou expressar a minha liberdade enviando pessoas para os seus lares e casas) e faz menção a enviar “gangsters to [your] house” (enviar capangas para a [sua] casa). Ele também nomeia certos indivíduos, advertindo que eles “need to behave” (devem se comportar), e afirma que pode “arrest a traitor with sufficient evidence at midnight” (prender um traidor com evidências suficientes à meia-noite). Entretanto, aproximadamente 22 minutos depois, ele diz que “we don’t incite people and encourage people to use force” (nós não incitamos as pessoas e não as encorajamos a recorrer à força). Após a transmissão, o vídeo foi automaticamente carregado na página do Facebook de Hun Sen, que tem aproximadamente 14 milhões de seguidores, na qual foi visualizado cerca de 600 mil vezes. O vídeo foi compartilhado por quase 3 mil outras pessoas perto de 4 mil vezes.
Entre 9 e 26 de janeiro de 2023, três usuários denunciaram o vídeo cinco vezes por violar os Padrões da Comunidade da Meta sobre Violência e Incitação. A política proíbe “[a]meaças que possam causar morte” (violência de alta gravidade) e “ameaças que causem ferimentos graves” (violência de média gravidade), incluindo “[d]eclarações de intenção de cometer violência”. Em geral, a Meta prioriza conteúdo para análise humana com base na sua gravidade, no seu efeito viral e na sua probabilidade de violar as políticas sobre conteúdo. Nesse caso, os sistemas automatizados da Meta não priorizaram o conteúdo e fecharam as denúncias de usuários sem que houvesse análise humana. Após a apelação dos usuários que denunciaram o conteúdo, dois analistas humanos concluíram que ele não violava as políticas da Meta. Concomitantemente, o conteúdo foi encaminhado a especialistas em políticas e no assunto em questão dentro da Meta. Em 18 de janeiro de 2023, esses especialistas determinaram que o vídeo violava os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação, mas aplicaram uma tolerância de interesse jornalístico para que o conteúdo permanecesse na plataforma. Esse tipo de permissão possibilita que conteúdo de outra forma violador permaneça nas plataformas da Meta caso a sua utilidade pública supere o seu risco de causar danos. Um usuário que denunciou o conteúdo fez uma apelação da decisão da Meta ao Comitê, enquanto a empresa indicou separadamente o caso ao Comitê.
O contexto político e social do Camboja é particularmente relevante para a análise do conteúdo nesse caso. Hun Sen, atualmente com 70 anos, foi um comandante do Khmer Vermelho e está no poder desde 1985. Atualmente, ele está se candidatando à reeleição, e as eleições gerais do Camboja estão agendadas para 23 de julho deste ano, apesar de haver relatos de que ele passará o título ao seu filho. Críticos do seu governo são vítimas de violência política há muito tempo, e mais de 30 ativistas da oposição já foram atacados entre 2017 e 2022. Membros da oposição e ativistas políticos foram mortos em circunstâncias profundamente suspeitas, como é o caso do assassinato do comentarista político Kem Ley em 2016.
Em 2015, Hun Sen alertou sobre ataques contra a sua oposição, o Partido do Resgate Nacional do Camboja (CNRP, na sigla em inglês), caso alguém protestasse contra a sua visita diplomática à França. Pouco depois que os protestos começaram, dois membros da oposição ao parlamento foram agredidos por uma multidão e hospitalizados com ferimentos graves. Em novembro de 2021, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos mostrou-se preocupado com a morte de um afiliado do CNRP que havia recebido ameaças muitos meses antes. O ataque ocorreu semanas após Hun Sen ter ameaçado “do what it takes to crack down [on] protests during Cambodia’s ASEAN chairmanship” (fazer o que for necessário para acabar [com] os protestos durante a presidência do Camboja na Associação de Nações do Sudeste Asiático). Um veículo de comunicação independente no Camboja relatou que, entre 2017 e 2022, mais de 30 ativistas da oposição foram “violently attacked” (atacados violentamente), geralmente por “unknown assailants on public streets” (agressores desconhecidos em vias públicas). Em um comentário público (PC-11044), o Dangerous Speech Project advertiu que a linguagem inflamada de Hun Sen aumenta a vontade de o seu público cometer e tolerar violência contra os adversários dele. Essa previsão foi corroborada recentemente quando a Human Rights Watch estabeleceu uma correlação direta entre múltiplos atos violentos contra membros da oposição e o discurso de 9 de janeiro em questão nesse caso. O Comitê agradece as partes interessadas e os comentaristas públicos por destacarem o alcance e a gravidade das violações aos direitos humanos perpetradas ou toleradas pelo governo do Camboja.
Especialistas independentes consultados pelo Comitê relatam que, nos últimos 12 meses, Hun Sen usou o Facebook e o Instagram para realizar diversas ameaças veladas aos seus adversários políticos. Recentemente, ele publicou o que parece ser uma ameaça aos cambojanos que vivem fora do país, advertindo que eles não deveriam “oppose the election” (se opor às eleições). Em maio de 2017, pouco depois das eleições locais, Hun Sen declarou, em um discurso transmitido no Facebook, que estava “willing to eliminate 100 or 200 people” (disposto a eliminar 100 ou 200 pessoas) se fosse necessário para garantir a paz no país e ameaçou começar uma guerra civil caso perdesse o poder, ameaça que ele fez diversas vezes durante seu mandato como primeiro-ministro. Pouco tempo depois, em outro discurso, que o Comitê não conseguiu confirmar se foi publicado nas plataformas da Meta, ele advertiu que críticos e adversários políticos deveriam “prepare their coffins” (preparar os seus caixões) se continuassem o acusando de ameaçar instaurar uma guerra civil caso perdesse as eleições. Hun Sen também alegou que se arrependia de não ter matado os líderes da oposição que organizaram os protestos pedindo a sua renúncia depois das eleições nacionais de 2013. Depois que o Comitê selecionou esse caso, em um discurso transmitido ao vivo no Facebook, Hun Sen ameaçou atirar em Sam Rainsy, líder da oposição, com um lança-foguetes.
A vitória eleitoral de Hun Sen aconteceu em 2018, quando o CPP foi eleito para todos os 125 postos na Assembleia Nacional. Antes dessas eleições, a Suprema Corte do Camboja decidiu dissolver o Partido do Resgate Nacional do Camboja (CNRP, na sigla em inglês), da oposição, e 118 representantes sêniores do partido foram proibidos de ocupar cargos políticos por cinco anos. Proibições e ações judiciais rapidamente acompanharam ameaças e diretrizes públicas do próprio primeiro-ministro. Em um relatório de 2017, o Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no Camboja observou que vários líderes da oposição foram acusados de crimes, incluindo dois senadores condenados com base em publicações no Facebook.
Durante os preparativos para as eleições de 2023, o governo de Hun Sen intensificou a pressão contra membros do partido de oposição, veículos de comunicação independentes e grupos da sociedade civil, iniciando ações penais com motivações políticas e outras formas de intimidação. Em um comentário público, a Comissão Internacional de Juristas (CIJ) (PC-11038) observou que Hun Sen e as autoridades cambojanas “systematically restricted human rights and fundamental freedoms” (restringiram sistematicamente os direitos humanos e as liberdades fundamentais) por meio de ações como condenações em massa de membros do partido de oposição com base em acusações ilegítimas e muitas vezes à revelia. O CIJ também manifestou sérias preocupações sobre a “’armamentização’ de leis que não estão em conformidade com as leis e os padrões dos direitos humanos”. No seu relatório de 2022, o Relator Especial da ONU observou que a independência e a transparência do poder judiciário são um “long-standing issue” (problema de longa data), mas que houve um “more recent turn... in that some judicial and related personnel have close links with the political party in power” (fator mais recente... visto que alguns servidores jurídicos e de setores correlatos estão estreitamente vinculados ao partido no poder). Além do judiciário, o mesmo relatório também constatou um nível indevido de influência sobre a mídia e o sistema eleitoral. Com relação às eleições locais de junho de 2022, o Relator Especial questionou se os membros do Comitê Eleitoral Nacional do Camboja (NEC, pela sigla em inglês) tinham uma “too close ties with the ruling party” (proximidade excessiva com o partido no poder) e documentou a exclusão pré-eleitoral de um “large number of candidates, especially of the Candlelight Party” (um grande número de candidatos, especialmente do Candlelight Party), o principal partido de oposição, sob circunstâncias questionáveis. No fim de 2022, Hun Sen ameaçou recorrer aos tribunais federais novamente para dissolver os seus principais partidos de oposição antes das eleições de 2023. Pouco tempo depois, em maio de 2023, o NEC se recusou a registrar o Candlelight Party, desqualificando-o para as eleições de julho e removendo o único partido que representava uma ameaça real ao primeiro-ministro. Após essa decisão, em uma publicação do Facebook, Hun Sen ameaçou de “arrest and legal action” (prisão e ação legal) qualquer pessoa que protestasse contra a desqualificação do partido. Além disso, ao discutir as suas ameaças de reprimir os protestos, ele afirmou em seguida que “when Hun Sen speaks, he acts” (quando Hun Sen fala, ele age).
O governo do primeiro-ministro cambojano também restringiu a mídia independente. Sobre a situação dos direitos humanos no Camboja, O Relator Especial da ONU relatou que não há “virtually no free media outlets operating in the country” (praticamente nenhum veículo de comunicação livre em operação no país) antes das eleições de julho. De acordo com especialistas que pediram para permanecer anônimos, a combinação dessas restrições à mídia com a armamentização do sistema judiciário cambojano contra a oposição e a violência política direcionada produziu um “clima intencional de medo”. A Aliança de Jornalistas do Camboja (CamboJA) registrou 35 casos de assédio contra jornalistas em 2022. De acordo com comentários públicos e de especialistas, essa cultura de intimidação inibiu de forma significativa a divulgação precisa de notícias, tornando os veículos de comunicação relutantes em cobrir assuntos sensíveis ou discursos controversos de Hun Sen por medo de retaliação do governo. Esses órgãos de comunicação também foram forçados a reproduzir propagandas do governo sem expor um ponto de vista crítico.
Após uma vitória acirrada nas eleições gerais de 2013, o governo de Hun Sen reconheceu o poder das redes sociais e intensificou a transição do Camboja para o que a Freedom House posteriormente descreveu como “autoritarismo digital”, no qual o uso e o monitoramento das redes sociais pelo governo são explorados para suprimir e ameaçar a oposição política. Enquanto as redes sociais, e particularmente o Facebook, podem ser uma plataforma importante para discussões políticas e a divulgação de notícias, especialistas independentes consultados pelo Comitê relataram que “quase não há conteúdo no idioma khmer no ecossistema do Facebook que não demonstre apoio ao governo”. A intimidação e as ameaças de violência e prisão por ações que demonstrem crítica a Hun Sen e ao seu governo se tornaram parte da vida online no país. Além disso, o governo propôs tomar o controle da infraestrutura técnica da internet do Camboja por meio de uma “Rede Nacional de Internet”. Segundo grupos da sociedade civil cambojana, esse sistema rotearia o tráfego da internet por meio de servidores governamentais e permitiria ao governo iniciar desligamentos nas redes sociais e na internet, forçar os provedores de serviços da internet a bloquear ou restringir conteúdo, aumentar as próprias capacidades de monitoramento da atividade online dos usuários e demandar que as operadoras coletassem e armazenassem dados em massa. Em fevereiro de 2022, o Ministério de Publicações e Telecomunicações anunciou que a implementação da Rede Nacional de Internet seria adiada devido à pandemia da COVID-19. Entretanto, não há indicação de que o projeto foi abandonado permanentemente.
Em 2020, a Meta publicou o seu resumo de, e resposta a, uma Avaliação de Impacto nos Direitos Humanos, comissionada pela Business for Social Responsibility (BSR, na sigla em inglês), sobre as atividades da empresa no Camboja. A BSR concluiu que o Facebook era “fundamental para a liberdade de informações e expressão no país, onde estações de rádio FM haviam sido desligadas e quase todos os jornais, as rádios e os canais de TV são agora controlados pelo governo”. Ao considerar esse caso, o Comitê recebeu acesso integral ao relatório da BSR, mas a Meta persiste em classificá-lo como confidencial. Em resposta a questões feitas pelo Comitê, a Meta afirmou que não realizou uma análise completa das páginas e contas de Hun Sen, mas que a página em questão teve um item de conteúdo removido por violar a política sobre violência e incitação em dezembro de 2022.
A Meta indicou o caso ao Comitê, afirmando que ele envolvia um equilíbrio desafiador entre seus valores “Segurança” e “Voz”, para determinar quando permitir que o discurso feito por um líder político que viole a política sobre violência e incitação seja mantido nas plataformas da empresa. A empresa pediu a orientação do Comitê sobre como avaliar esse tipo de conteúdo, especificamente no contexto de um regime autoritário em que o direito de acesso à informação está em jogo.
3. Escopo e autoridade do Comitê de Supervisão
O Comitê tem autoridade para analisar decisões que a Meta envia para análise, segundo a seção 1 do artigo 2 do Estatuto e a seção 2.1.1 do artigo 2 dos Regulamentos Internos. O Comitê também tem autoridade para analisar a decisão da Meta após uma apelação da pessoa que denunciou previamente o conteúdo que estava ativo (Artigo 2, Seção 1 do Estatuto; e Artigo 3, Seção 1 dos Regulamentos Internos). De acordo com o Artigo 3 da Seção 5 do Estatuto, o Comitê pode manter ou revogar a decisão da Meta, e a decisão é vinculante para a empresa, nos termos do Artigo 4 do Estatuto. A Meta também deve avaliar a viabilidade de aplicar sua decisão no que diz respeito a conteúdo idêntico em contexto paralelo, de acordo com o Artigo 4 do Estatuto. As decisões do Comitê podem incluir sugestões não vinculantes às quais a Meta deve responder, de acordo com o Artigo 3 do Estatuto, Seção 4; Artigo 4 do Estatuto. Quando a Meta se compromete a agir de acordo com as recomendações, o Comitê monitora a sua implementação.
4. Fontes de autoridade e diretrizes
Os seguintes padrões e decisões precedentes fundamentaram a análise do Comitê nesse caso:
I.Decisões do Comitê de Supervisão:
As decisões anteriores mais pertinentes do Comitê de Supervisão incluem as seguintes:
- Caso “Gabinete de Comunicações da Região do Tigré” (decisão sobre o caso 2022-006-FB-MR)
- “Suspensão do ex-presidente Trump” (decisão sobre o caso 2021-001-FB-FBR)
II.Políticas de Conteúdo da Meta:
O fundamento da política dos Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação do Facebook declara que o objetivo dos Padrões “é evitar potenciais danos no meio físico que possam estar relacionados a conteúdo do Facebook” e que, embora a Meta entenda que “as pessoas comumente expressam desdém ou desacordo por meio de ameaças ou incitação à violência de maneira cômica, [nós] remove[mos] palavras que incitem ou facilitem qualquer violência grave.” Ele estabelece também que a Meta remova conteúdos, desabilite contas e colabore com as autoridades policiais se acreditar que há “um risco real de lesões corporais ou ameaças diretas à segurança pública”. A Meta declara que tenta “levar em conta a linguagem e o contexto para distinguir declarações fortuitas de conteúdo que constitua uma ameaça plausível”.
A política proíbe especificamente “ameaças que possam causar morte” (violência de alta gravidade) e “ameaças que causem ferimentos graves” (violência de média gravidade) contra pessoas comuns, pessoas específicas não identificadas ou figuras públicas menores de idade e inclui à definição de ameaça “declarações de intenção de cometer violência”, “declarações defendendo a violência” ou “declarações condicionais ou intencionais incitando a prática de violência”. As diretrizes internas sobre como aplicar a política também explicam que é permitido “conteúdo violador se compartilhado em um contexto de condenação ou conscientização”.
A análise do Comitê sobre as políticas de conteúdo foi fundamentada pelo compromisso com a Voz da Meta, que a empresa descreve como “primordial”:
O objetivo dos nossos Padrões da Comunidade é criar um local de expressão e dar voz às pessoas. A Meta quer que as pessoas possam falar abertamente sobre os assuntos importantes para elas, ainda que sejam temas que gerem controvérsias ou objeções.
A Meta limita a “Voz” a serviço de quatro valores, sendo “Segurança” o mais relevante deles nesse caso:
Temos o compromisso de fazer do Facebook um lugar seguro. Removemos conteúdo que possa contribuir para o risco de danos à segurança física das pessoas. Conteúdos com ameaças podem intimidar, excluir ou silenciar pessoas, e isso não é permitido no Facebook.
Ao explicar o seu compromisso com a “Voz”, a Meta afirma que “em alguns casos, permitimos conteúdo que de outra forma iria contra nossos padrões, se for de interesse jornalístico e utilidade pública”. Isso é conhecido como tolerância a conteúdo de interesse jornalístico, uma exceção à política geral aplicável a todos os Padrões da Comunidade. Para aplicar essa permissão, a Meta realiza um teste de ponderação, avaliando a utilidade pública do conteúdo em relação ao risco de dano. A Meta diz que avalia se o conteúdo “gera uma ameaça iminente à saúde ou segurança pública, ou dá voz às perspectivas que estão sendo debatidas atualmente como parte de um processo político”. Tanto a avaliação da utilidade pública quanto a do dano levam em consideração as circunstâncias do país, como se uma eleição ou conflito está em andamento e se há imprensa livre. A Meta afirma que não há presunção de que o conteúdo seja inerentemente de utilidade pública apenas com base na identidade do locutor, por exemplo, como político. A empresa diz remover o conteúdo “mesmo que tenha algum grau de interesse jornalístico, quando ele apresenta risco de danos, como danos físicos, emocionais e financeiros, ou uma ameaça direta à segurança pública”.
Em resposta ao caso “Suspensão do ex-presidente Trump”, a Meta criou uma política sobre a restrição de contas de figuras públicas durante agitações civis. Essa política reconhece que, “caso figuras públicas publiquem conteúdo durante atos de violência ou agitações civis em andamento, nossas restrições padrão talvez não sejam adequadas à violação nem suficientes para reduzir o risco de mais danos”. O Comitê observa, entretanto, que nem violência nem agitação civil em andamento são definidas na política. Essa política reconhece que ameaças por figuras públicas representam um risco maior de dano quando violam as políticas da Meta e estabelece alguns dos critérios usados pela empresa para avaliar se deve ou não restringir as suas contas e como restringi-las.
III. Responsabilidades que a Meta tem com os direitos humanos
Os UN Guiding Principles on Business and Human Rights (Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, UNGPs, pelas iniciais em inglês), que contam com o apoio do Conselho de Direitos Humanos da ONU desde 2011, estabelecem uma estrutura voluntária de responsabilidades sobre direitos humanos das empresas privadas. Em 2021, a Meta anunciou sua Política Corporativa de Direitos Humanos, em que reafirmou seu compromisso com os direitos humanos de acordo com os UNGPs. Ao analisar as responsabilidades da Meta com os direitos humanos no caso em questão, o Comitê levou em consideração as seguintes normas internacionais:
- Os direitos à liberdade de opinião e de expressão: Article 19, International Covenant on Civil and Political Rights (Artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, PIDCP, na sigla em inglês); General comment No. 34, Human Rights Committee, de 2011 (Comentário geral n.º 34, do Comitê de Direitos Humanos, de 2011); Plano de ação de Rabat; Relatórios do Relator Especial da ONU sobre a liberdade de opinião e expressão: A/HRC/38/35 (2018) e A/74/486 (2019).
- Direito de reunião pacífica: Artigo 21 do PIDCP.
- Direito à segurança física: Artigo 9 do PIDCP.
- Direito à vida: Artigo 6 do PIDCP.
- O direito de participação da vida pública e o direito ao voto: Artigo 25 do PIDCP.
5. Envios de usuário
Além da indicação do caso pela Meta, um usuário também fez uma apelação da decisão da Meta de manter o conteúdo no Facebook ao Comitê, na qual explicou que Hun Sen já havia feito ameaças da mesma natureza em outras ocasiões. O usuário observou especificamente que, nos preparativos para as eleições gerais de 2023, Hun Sen usou com frequência o Facebook para ameaçar outras pessoas com violência e suprimir as atividades da oposição.
6. Envios da Meta
A Meta explicou que, apesar de os analistas humanos terem inicialmente avaliado o conteúdo do caso como não violador, depois de ter sido encaminhado a especialistas em políticas e no assunto em questão para uma análise adicional, a empresa determinou que de fato ele violava a política sobre violência e incitação, mas deveria permanecer na plataforma conforme a tolerância a conteúdo de interesse jornalístico.
Na escalation, a Meta determinou que dois fragmentos do discurso de Hun Sen violaram a política sobre violência e incitação, nomeadamente, 1) a escolha apresentada aos seus oponentes políticos entre o “legal system” (sistema jurídico) e “a bat” (um cassetete) e 2) a sua ameaça de “gather CPP people to protest and beat you up” (convocar apoiadores do CPP para protestar e agredi-los). A empresa afirmou que, com base no contexto geral do discurso, incluindo informações providenciadas pela sua equipe regional, as referências a “you” (vocês) nas afirmações de Hun Sen são direcionadas aos adversários políticos do primeiro-ministro no Candlelight Party e possivelmente no agora extinto CNRP.
Ao ponderar o risco de dano em comparação com os possíveis benefícios de permitir que o conteúdo permanecesse no Facebook com uma tolerância interesse jornalístico, a Meta observou que a maior parte do discurso de uma hora e 41 minutos dizia respeito a governança ou política, como o relacionamento do Camboja com a China e a pandemia de COVID-19. A empresa afirmou ainda que discursos realizados por líderes governamentais de um país são de grande utilidade pública, especialmente em anos de eleições. Em contrapartida, de acordo com a análise da Meta, os trechos do discurso em violação duraram apenas alguns minutos, enquadrando-se na categoria de média gravidade da política sobre violência e incitação.
A empresa declarou que o público está interessado em ouvir alertas sobre possível violência por seu governo, particularmente quando essas ameaças não são relatadas pela mídia local. Por meio das suas equipes regionais, a Meta tomou conhecimento de que, apesar de a mídia regional, que não é necessariamente acessível à população cambojana, ter relatado essas ameaças, a mídia local não o fez. Em defesa a essa análise, a Meta citou dois relatos da mídia sobre os elementos de violência presentes no discurso de Hun Sen: um do Bangkok Post e outro do Voice of Democracy, um veículo de comunicação independente sediado no Camboja, recentemente desligado pelo governo. A empresa acredita que, nessas circunstâncias, o Facebook pode “assumir um papel fundamental na conscientização sobre possíveis riscos de segurança”. No que diz respeito a esse contexto, a Meta observou que o conteúdo do caso não envolve violência ou conflito armado em andamento, como no conteúdo considerado nos casos “Suspensão do ex-presidente Trump” ou “Gabinete de Comunicações da Região do Tigré”. Contudo, a empresa reconheceu a iminência das eleições e que Hun Sen e o CPP reprimiram figuras políticas de oposição e a mídia.
A Meta explicou não ser capaz de averiguar qual foi a intenção do primeiro-ministro quando fez os comentários. Entretanto, ela salientou que, “dado o uso de processos judiciais pelo CPP para comprometer adversários políticos, o partido parece ter optado pelo poder judiciário em vez de recorrer à força, mas isso não exclui a possibilidade de violência no futuro”. Em resposta a uma pergunta feita pelo Comitê, a Meta declarou que estava ciente da situação relacionada aos direitos humanos no Camboja, “incluindo a forma padronizada como o primeiro-ministro Hun Sen realizava discursos com ameaças de violência ou uso do sistema judiciário contra adversários políticos”.
A empresa acredita que sua decisão é consistente com seus valores, bem como com os princípios internacionais de direitos humanos, e afirmou também que os principais fatores para determinar que esse conteúdo não precisava ser removido foram o contexto e a ausência de risco iminente. A ameaça nesse caso “não tinha relação com um conflito armado ou evento violento em curso” e era “não específica”. Todavia, a Meta reconheceu o “desafio de lidar com ameaças que carecem de uma correlação com violência iminente, mas podem, ainda assim, contribuir para um clima de medo quando feitas por um governo autoritário”.
O Comitê fez 15 perguntas por escrito à Meta sobre: violações anteriores cometidas por Hun Sen; fatores contextuais considerados ao aplicar uma tolerância a conteúdo de interesse jornalístico; fatores contextuais considerados ao aplicar a política sobre violência e incitação; as comunicações da Meta com as autoridades governamentais do Camboja; a lista de verificação cruzada da Análise Secundária de Resposta Inicial (ERSR); e a alocação de recursos da Meta para trabalho operacional e de produtos relacionado a conteúdo no idioma khmer no Camboja. Todas foram respondidas.
7. Comentários públicos
O Comitê de Supervisão recebeu 18 comentários públicos relacionados a esse caso. Cinco dos comentários foram enviados da Ásia-Pacífico e da Oceania, um da Ásia Central e do Sul, um da América Latina e Caribe e 11 dos Estados Unidos e do Canadá.
Os envios abordavam os seguintes temas: o contexto da opressão política e da negligência aos direitos humanos no Camboja; a impunidade com a qual figuras do governo cambojano agem no Facebook; e o declínio das liberdades civis no Camboja. O Comitê também recebeu diretamente a opinião de representantes da sociedade civil salientando que as ameaças e a incitação de Hun Sen são parte de um esforço sistemático para criar um clima de medo entre os adversários políticos e dissuadir os cambojanos de questionar o governo.
Para ler os comentários públicos enviados sobre esse caso, clique aqui.
8. Análise do Comitê de Supervisão
O Comitê selecionou esse caso porque ele apresenta uma oportunidade de examinar se líderes políticos estão usando as plataformas da Meta para fazer incitações à violência ou reprimir a oposição e, se for o caso, para determinar quais seriam as consequências. O caso se enquadra nas prioridades estratégicas do Comitê sobre o uso das plataformas da Meta pela administração pública, assim como sobre eleições e espaço cívico. O Comitê examinou se esse conteúdo deveria ser removido analisando as políticas de conteúdo, os valores e as responsabilidades de direitos humanos da Meta.
8.1 Conformidade com as políticas de conteúdo da Meta
I. Regras sobre conteúdo
a. Violência e incitação
Nesse caso, o Comitê conclui que o conteúdo viola os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação e deve ser removido da plataforma.
O Comitê considera também que o vídeo publicado incluía declarações inequívocas com intenção de incitar não apenas à violência de média gravidade (ferimentos graves), mas também à de alta gravidade (risco de morte e outras formas de violência de alta gravidade) contra os adversários políticos de Hun Sen, o que claramente viola a política sobre violência e incitação. O contexto político mais amplo reforça essa conclusão: Hun Sen e os membros do seu partido fizeram ameaças e recorreram à violência contra a oposição e os apoiadores dela repetidamente, usando as redes sociais com frequência para transmitir as suas ameaças. O histórico de violência e repressão torna essas ameaças mais concretas, fazendo com que as declarações nesse contexto sejam consideradas uma violação grave da política. Na interpretação do Comitê, a garantia superficial do primeiro-ministro de que “we don’t incite people and encourage people to use force” (nós não incitamos as pessoas e não as encorajamos a recorrer à força) contradiz a mensagem clara do discurso e não é confiável. O Comitê se demonstra preocupado e perplexo diante da conclusão inicial em contrário dos analistas, mas observa que os especialistas em países da Meta reconheceram que a publicação violava os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação após análise.
Em resposta às perguntas do Comitê, a Meta declarou que “ameaças de processar figuras da oposição ou recorrer ao sistema jurídico contra elas, por si só, não violariam a política [sobre violência e incitação], visto que não envolvem ameaça de violência física”. A empresa justificou o seu posicionamento explicando que “como uma plataforma de rede social, não está em posição de determinar independentemente se uma ameaça feita pelo governo de recorrer ao processo legal é indevida”.
Enquanto essa interpretação pode ser apropriada para ameaças “por si só”, não foi o caso aqui. Quando regimes políticos com um histórico de persistir em ameaças de violência contra a oposição utilizam as plataformas da Meta, a empresa deve recorrer às equipes regionais e à sua experiência para avaliar se ameaças de usar o sistema jurídico contra adversários políticos têm o mesmo efeito que ameaças ou intimidações com violência. No contexto do Camboja, onde o judiciário é controlado pelo partido no poder e regularmente usado para suprimir a oposição, as ameaças pelo primeiro-ministro de perseguição à oposição por meio do sistema jurídico são equivalentes à ameaça de violência. Ameaças de prender aqueles que se opõem ao governo “at midnight” (à meia-noite) não são condizentes com o devido processo legal. O Comitê também ressalta o histórico de vítimas de intimidação pelo uso indevido do poder judiciário por Hun Sen que posteriormente se tornaram vítimas de violência física, conforme mencionado anteriormente.
b. Tolerância a conteúdo de interesse jornalístico
O Comitê conclui ainda que a Meta agiu de forma errada ao aplicar uma tolerância de interesse jornalístico nesse caso, visto que os danos inerentes em permitir que o conteúdo continue na plataforma superam a utilidade pública de divulgar o discurso.
De acordo com a abordagem da Meta a conteúdo de interesse jornalístico, não há presunção de que ele será naturalmente interessante apenas com base em quem faz o discurso. Na fundamentação da decisão, a empresa relatou que, nesse caso, ela ponderou diversos fatores, externos ao conteúdo em si, para decidir aplicar a exceção de interesse jornalístico. A Meta considerou ambas “as circunstâncias específicas ao Camboja e a estrutura política do país, incluindo a falta de uma imprensa independente livre, a supressão relatada de Hun Sen à oposição política e as denúncias de organizações dos direitos humanos”.
Em resposta às perguntas do Comitê, a empresa afirmou que a falta de uma cobertura jornalística das ameaças em questão estava diretamente relacionada ao valor de utilidade pública do conteúdo como um alerta ao povo cambojano. Essa interpretação se embasou na análise da empresa de que, enquanto a mídia regional relatou as ameaças, a cobertura local do discurso não fez menção a elas. O Comitê salienta que um dos veículos de comunicação citados pela Meta como base para essa análise, o Voice of Democracy, sediado no Camboja, relatou as ameaças violentas no discurso de Hun Sen e se descreveu como um “veículo de comunicação independente local” antes do seu desligamento em fevereiro de 2023. Um relatório fornecido por especialistas observou que 82,6% do público “qualificado”, ou seja, pessoas maiores de 13 anos, no Camboja usa o Facebook em 2023. Ao discutir os motivos por trás do uso de redes sociais, o Freedom House relatou que, após as eleições gerais de 2018, a internet “se tornou uma das principais fontes de notícias e informações para a população cambojana, e as redes sociais possibilitaram a proliferação de conteúdo mais diversificado e livre da influência do governo”. A Meta também observou que a “natureza relativamente ambígua das ameaças” no discurso foi levada em consideração para determinar que “o alto valor de utilidade pública em permitir que as pessoas tenham acesso ao discurso político... superou a risco de dano” e garantiu, portanto, uma tolerância a conteúdo de interesse jornalístico.
O Comitê reconheceu que se deve buscar um equilíbrio delicado ao analisar discursos violadores feitos por líderes políticos. Além do alto nível de confiança no uso das redes sociais no Camboja, o governo desligou quase todos os veículos de mídia tradicionais no país, dificultando o acesso da população a notícias imparciais e independentes por meio de outros canais. Ademais, existe também um forte argumento de transparência em favor de que a população cambojana tenha noção de que o seu líder político está fazendo ameaças à oposição, apesar de o Comitê constatar que a maior parte das pessoas no país já sabe que os membros do regime de Hun Sen realizam discursos similares de forma rotineira.
Entretanto, dado o alcance do primeiro-ministro nas redes sociais, permitir que o discurso permaneça na plataforma aumentaria a propagação das ameaças dele. Como resultado, as plataformas da Meta são exploradas para esse propósito e acabam contribuindo com esses danos ao amplificar as ameaças e a intimidação decorrente delas. Não se tata de uma publicação de terceiros denunciando as ameaças de Hun Sen, mas de uma publicação feita pela própria conta oficial do líder cambojano as expressando.
O Comitê demonstra preocupação com a campanha contínua de assédio e intimidação por um líder político contra a mídia independente e a oposição política poder se tornar um fator na análise de interesse jornalístico, o que leva o conteúdo violador a não ser removido e a conta a não sofrer penalidades. Esse tipo de comportamento não deveria ser recompensado. A Meta deveria considerar com mais acuidade a liberdade de imprensa ao avaliar o interesse jornalístico para evitar que essa tolerância seja aplicada a discursos governamentais quando o próprio governo impulsiona o interesse no seu conteúdo limitando a livre imprensa.
O posicionamento da Meta também parece presumir que as pessoas verão esse conteúdo violador como uma forma de incitação e, portanto, vão reprová-lo. Contudo, as oportunidades de expressar essa reprovação são escassas no Camboja, e permitir que esse conteúdo violador permaneça na plataforma aumenta o risco da normalização de discursos violentos por líderes políticos. Em vez de abrir um debate, aplicar uma tolerância a conteúdo de interesse jornalístico nesse caso reduziria ainda mais o discurso público em prol da dominação do cenário mediático por Hun Sen.
A abordagem da Meta a conteúdo de interesse jornalístico pondera a utilidade pública em comparação com o risco de dano, mas o Comitê observa que não é possível obter resultados satisfatórios para esse teste quando figuras públicas utilizam as plataformas da Meta para incitar diretamente à violência. Se houver utilidade pública suficiente no discurso com incitação, então ele será relatado por algum canal de jornalismo de terceiros. Enquanto conteúdo que relata a incitação à violência por uma figura pública, conscientiza a respeito dela, a condena ou discute sobre ela sem aprová-la não deve ser proibido, a Meta não deve continuar permitindo a incitação direta nas suas plataformas sob o pretexto de interesse jornalístico.
II. Ação de monitoramento
O Comitê defende que, nesse caso, a tolerância de interesse jornalístico deve ser revogada e o conteúdo deve ser removido por violar a política sobre violência e incitação. É fundamental que as plataformas da Meta não sejam usadas como um instrumento para amplificar ameaças de violência e retaliação visando suprimir a oposição política, sobretudo durante eleições, como no presente caso. Além disso, considerando a gravidade da violação, o contexto político do Camboja, o histórico do governo de violações aos direitos humanos, o histórico de Hun Sen de incitação à violência contra seus adversários políticos e a forma como ele usa as redes sociais para amplificar essas ameaças, o Comitê conclui que a Meta deve suspender imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram oficiais de Hun Sen. Embora determinar a duração da suspensão na primeira ocorrência não seja um papel do Comitê, ele defende a suspensão da página e da conta por pelo menos seis meses, para que a Meta possa analisar a situação no devido tempo e definir um prazo. Ainda, antes do término da suspensão, a Meta deve conduzir uma análise a fim de determinar se os riscos à segurança pública foram reduzidos, solicitando às partes interessadas locais que compartilhem informações relevantes.
Como parte da sua resposta às recomendações do Comitê sobre o caso “Suspensão do ex-presidente Trump”, a Meta criou uma política sobre a restrição das contas de figuras públicas (Consultar a seção 4 acima). Essa política é aplicável a “figuras públicas que publicam conteúdo durante violência ou agitação civil em andamento”. Frente a um contexto de repressão política generalizada e sucessivos atos de violência contra adversários políticos, o Comitê discorda da Meta e conclui que os preparativos para as eleições de 2023 no Camboja representam uma situação de violência em andamento.
O Comitê constata ainda que, apesar de a política ter sido criada após o ataque ao Capitólio nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021, ela foi desenvolvida com o intuito de fornecer uma estrutura caso as “restrições padrão [da Meta] talvez não sejam adequadas à violação nem suficientes para reduzir o risco de mais danos” quando figuras públicas publicam conteúdo durante atos de violência ou agitações civis em andamento. Ainda que essa política não defina “violência em andamento” e “agitação civil”, esse caso claramente se alinha com a essência dela. A violência não perdura apenas com a ocorrência de um mesmo incidente violento ou período de agitações civis, mas também em momentos de “paz” civil quando líderes políticos utilizam ameaças de violência com o apoio do governo para suprimir, de forma preventiva, a divergência e agitações civis por meio de repressão generalizada e atos violentos. Mesmo que o Comitê considere necessário a Meta esclarecer publicamente a dimensão das situações em que a política deve ser aplicada a figuras públicas que postam conteúdo nas plataformas da empresa, ele o considera aplicável ao presente caso.
Existem três critérios para determinar a aplicação de uma restrição segundo a política. Em primeiro lugar, a gravidade da violação e o histórico da figura pública nas plataformas da Meta. O Comitê observa que a incitação a enviar grupos violentos para a casa das pessoas se enquadra no nível mais alto de gravidade. Isso é corroborado pelas tentativas bem-sucedidas de incitação por Hun Sen à violência contra adversários tanto nas plataformas quanto fora delas e pela remoção de conteúdo na página dele em dezembro de 2022 por violar a política sobre violência e incitação. O segundo critério é a possível influência da figura pública sobre, e o relacionamento com, quem comete os atos violentos. Novamente, trata-se do mais alto nível de gravidade. Hun Sen é um primeiro-ministro com controle total sobre o seu partido, as forças militares, a polícia e o poder judiciário do Camboja, assim como com um alto nível de confiança de uma parcela da população. Sua influência é facilmente demonstrada pelo fato de que tanto o discurso em questão quanto suas incitações anteriores resultaram em atos de violência contra seus alvos. O critério final, a gravidade da violência e das lesões físicas relacionadas ao conteúdo, também é cumprido. O discurso incitou a ataques armados, e incitações anteriores ocasionaram mortes. O Comitê também salienta que, em contradição ao entendimento da Meta de que as ameaças no discurso de Hun Sen eram “não específicas”, o primeiro-ministro se referiu a pelo menos um membro da oposição política por nome.
Além dos fatores listados, conforme a política, sobre quando suspender um líder político das suas plataformas e a duração da suspensão, a Meta deveria considerar o contexto político e a situação dos direitos humanos no país em questão ao avaliar o comportamento na plataforma. Interpretar esse tipo de conteúdo sob análise no presente caso como uma única violação das políticas da Meta, separado do contexto delas, significa ignorar a realidade de que o discurso em questão e outros similares são parte de um esforço contínuo e calculado de intimidação que se materializa em violência no meio físico. Além disso, a violência real serve de confirmação para a gravidade de ameaças feitas nas redes sociais, dando a essas ações físicas repercussão nas plataformas. Como observado anteriormente nesta decisão, Hun Sen costuma utilizar as redes sociais para amplificar ameaças implícitas e explícitas contra a oposição e a sua intimidação a qualquer pessoa que ele considere uma ameaça ao seu controle incessante.
Por meio das informações disponibilizadas ao Comitê, parece evidente que Hun Sen utiliza as redes sociais para amplificar as suas ameaças a adversários políticos, disseminando-as com mais abrangência e causando mais dano do que se não tivesse acesso às plataformas da Meta. A combinação do uso das plataformas pelo primeiro-ministro para fazer incitação à violência contra a oposição política, visto no contexto do seu histórico, com os abusos do seu governo contra os direitos humanos e as eleições iminentes pede uma ação imediata. De acordo com o Comitê, o conteúdo desse caso deve ser considerado uma grave violação, o que justifica uma suspensão imediata no Facebook e no Instagram.
O Comitê constata que a empresa atualmente não informa ao público quando um dirigente governamental ou a sua página oficial sofreu uma suspensão ou teve conteúdo removido. A Meta deveria anunciar quando a página ou conta oficial de um dirigente governamental foi suspensa, fornecendo a sua justificativa para a decisão, além de considerar o armazenamento de conteúdo removido para propósitos jurídicos e de pesquisa e ao acesso e a discussão no âmbito jornalístico.
8.2 Conformidade com as responsabilidades que a Meta tem com os direitos humanos
Conforme observado anteriormente pelo Comitê, de acordo com as próprias políticas da Meta, a publicação de Hun Sen deveria ter sido removida. Além disso, o Comitê também concluiu que a política da Meta sobre a restrição de contas de figuras públicas durante agitações civis justificava a suspensão de Hun Sen das plataformas dela. Permitir que esse conteúdo permaneça no Facebook, assim como o uso contínuo pelo primeiro-ministro das plataformas da Meta para incitar à violência, vai de encontro às responsabilidades da empresa com os direitos humanos. Isso é especialmente relevante dado que representa uma ameaça aos direitos de voto e de participar de assuntos públicos (Artigo 25 do PIDCP), de reunião pacífica (Artigo 21 do PIDCP), de segurança física (Artigo 9 do PIDCP) e à vida (Artigo 6 do PIDCP) no Camboja. Na análise a seguir, o Comitê avalia essa restrição ao discurso face à responsabilidade da Meta de proteger a liberdade de expressão (Artigo 19 do PIDCP).
Liberdade de expressão (Artigo 19 do PIDCP)
O 2º parágrafo do Artigo 19 do PIDCP protege “a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza” incluindo sobre política, assuntos públicos e direitos humanos (Comentário Geral n.º 34 (2011), Comitê dos Direitos Humanos, parágrafos 11-12). Ademais, o Comitê de Direitos Humanos da ONU afirmou que: “free communication of information and ideas about public and political issues between citizens, candidates and elected representatives is essential” (a livre comunicação de informações e ideias sobre questões públicas e políticas entre cidadãos, candidatos e representantes eleitos é essencial) (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 20).
Quando um Estado aplica restrições à expressão, elas devem atender aos requisitos de legalidade, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade, segundo o parágrafo 3 do Artigo 19 do PIDCP. Esses requisitos costumam ser chamados de “teste tripartite”. O Comitê usa essa estrutura para interpretar os compromissos voluntários de direitos humanos da Meta, tanto em relação à decisão de conteúdo individual sob análise quanto à abordagem mais ampla da empresa à governança de conteúdo. Como afirmou o Relator Especial da ONU sobre liberdade de expressão, embora “as empresas não tenham obrigações governamentais, seu impacto é do tipo que exige que avaliem o mesmo tipo de questões sobre a proteção do direito de seus usuários à liberdade de expressão” (companies do not have the obligations of Governments, their impact is of a sort that requires them to assess the same kind of questions about protecting their users' right to freedom of expression) (A/74/486, parágrafo 41). Nesse caso, o Comitê aplicou o teste tripartite para avaliar se tanto a remoção do conteúdo quanto a suspensão de Hun Sen, justificáveis segundo as políticas da Meta, seriam consistentes com as responsabilidades da empresa de proteger a liberdade de expressão.
I. Legalidade (clareza e acessibilidade das regras)
O princípio da legalidade conforme a legislação internacional sobre direitos humanos exige que as regras usadas para limitar a expressão sejam claras e acessíveis (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 25). As regras que restringem a expressão “may not confer unfettered discretion for the restriction of freedom of expression on those charged with [their] execution” (podem não conceder liberdade de ação irrestrita para a restrição da liberdade de expressão aos encarregados de [sua] execução) e “provide sufficient guidance to those charged with their execution to enable them to ascertain what sorts of expression are properly restricted and what sorts are not” (fornecem instrução suficiente aos encarregados de sua execução para permiti-lhes determinar quais tipos de expressão são propriamente restritas e quais tipos não são) (Ibid). Aplicada às regras que regem o discurso online, o Relator Especial da ONU sobre liberdade de expressão disse que eles deveriam ser claros e específicos (A/HRC/38/35, parágrafo 46). As pessoas que usam as plataformas da Meta devem ser capazes de acessar e entender as regras, e os analistas de conteúdo devem ter orientações claras sobre o monitoramento.
Segundo o Comitê, Hun Sen e os responsáveis por gerenciar a sua presença nas redes sociais conseguiriam determinar facilmente se o conteúdo violou as proibições dos Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação a discurso ameaçador, sobretudo no contexto de eleições iminentes. Sem dúvida, ameaçar os críticos ao governo com um “bat” (cassetete) e de serem agredidos por membros do partido vai contra a regra. De maneira similar, as políticas da Meta sobre a restrição de contas de figuras públicas deixam claro que violações graves cometidas por elas que incitem à violência e a lesões corporais, em um contexto amplo de violência em andamento, justificam a suspensão. Conforme o Comitê observou anteriormente, segundo a elaboração atual, a política é aplicável a esse caso. Entretanto, a Meta deve esclarecer publicamente a extensão dela.
II. Objetivo legítimo
Os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação visam “evitar possíveis danos no meio físico” e removem conteúdo que represente “um risco genuíno de lesões corporais ou ameaças diretas à segurança pública”. Outrossim, a política da Meta sobre a restrição de contas de figuras públicas é aplicável quando “restrições padrão talvez não sejam adequadas à violação nem suficientes para reduzir o risco de mais danos”. Proibir convocações a atos violentos e ameaças de prisão arbitrária na plataforma para garantir a segurança das pessoas é um objetivo legítimo conforme o Artigo 19, parágrafo 3, dado que protege o “direito à vida” (Artigo 6 do PIDCP) e a segurança física contra prisões e detenções arbitrárias (1º parágrafo do Artigo 9 do PIDCP). Principalmente devido aos preparativos para as eleições, ambas as políticas também podem buscar o objetivo legítimo de proteger os direitos dos outros a reunião pacífica (Artigo 21 do PIDCP) e de voto e participação em assuntos públicos (Artigo 25 do PIDCP).
III. Necessidade e proporcionalidade
O princípio da necessidade e da proporcionalidade mostra que qualquer restrição à liberdade de expressão “must be appropriate to achieve their protective function; they must be the least intrusive instrument amongst those which might achieve their protective function [and] they must be proportionate to the interest to be protected” (deve ser apropriada para cumprir sua função protetora; ser o instrumento menos intrusivo entre aqueles que podem cumprir sua função protetora [e] ser proporcional ao interesse a ser protegido) (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 34).
Ao avaliar os riscos representados por conteúdo violento, o Comitê guia-se normalmente pelo teste de seis fatores descrito no Plano de Ação de Rabat, que aborda a defesa contra ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à hostilidade, discriminação ou violência. Com base na avaliação dos fatores relevantes, sobretudo o locutor, o contexto e o alcance da manifestação do discurso, descritos com mais detalhes a seguir, o Comitê entende que a remoção do conteúdo incitador de Hun Sen está de acordo com as responsabilidades da Meta com os direitos humanos porque ele representa uma ameaça de dano iminente e provável. Isso é uma limitação de expressão necessária e proporcional para proteger os direitos à vida e à segurança física das pessoas, incluindo membros da oposição, contra possível violência e perseguição.
O discurso presente no vídeo publicado foi realizado pelo líder do governo no Camboja, uma figura pública que permanece no poder desde 1985 e tem alcance e autoridade significativos. Nesse sentido, o discurso pode ser considerado conduta estatal. Como contemplado na seção do contexto do caso, há relatos de que o governo de Hun Sen recorreu tanto à violência física quanto ao sistema judiciário cambojano para silenciar e perseguir dissidentes e membros da oposição. Conforme mencionado na decisão do caso “Suspensão do ex-presidente Trump” (2021-001-FB-FBR), esses fatores aumentam ambos o nível do risco de dano associado às suas declarações e o interesse do público nesses comentários.
O discurso foi feito a apenas seis meses das eleições parlamentares de julho de 2023 no Camboja e abordou problemas de utilidade pública, incluindo discussões adicionais sobre as eleições e a infraestrutura nacional. O Comitê constata que a população cambojana tem alternativas para obter informações sobre esses problemas, como outras contas nas redes sociais e denúncias sobre o discurso que não fizeram menção às ameaças. Contudo, o uso de termos como “bat” (cassetete), que o contexto deixa claro se tratar de uma arma, e “sending gangsters to [your] house” (enviar capangas para a [sua] casa) ou “legal action” (ação judicial), incluindo prisões à meia-noite, são equiparáveis a incitação à violência e ameaças de prisões arbitrárias para reprimir dissidentes políticos e enfraquecer a oposição.
Na fundamentação da sua decisão, a Meta defendeu que “a ameaça nesse caso era não específica e não tinha relação com um conflito armado ou evento violento em curso”. O Comitê não aceita a designação das ameaças como não específicas pela Meta. Contextualmente, ainda é possível extrair significados específicos de referências vagas. No presente caso, a ameaça se tornou óbvia pelo cenário das eleições iminentes e da identificação dos adversários políticos de Hun Sen como alvos. Além disso, considerando o histórico de violência e intimidação a figuras da oposição por apoiadores do primeiro-ministro, o Comitê conclui que qualquer convocação à violência pelo líder cambojano deverá ser levada a sério e terá um efeito alarmante. Isso ocorre particularmente devido ao controle absoluto do governo cambojano sobre as formas de violência, além do seu poder de influência.
As eleições são parte fundamental da democracia, e o Comitê está atento às iminentes eleições parlamentares no Camboja. Comentários públicos enfatizaram que o discurso de Hun Sen deveria ser analisado “within the overall context of the poor human rights situation and democratic deficit in Cambodia in the lead-up to the July 2023 election, and the ongoing violence and crackdown against perceived political opponents” (no contexto geral de uma situação de direitos humanos precária e de declínio na democracia do Camboja em antecipação para as eleições de julho de 2023, além da violência e da repressão em andamento contra supostos adversários políticos), o que resulta em “a real risk of human rights abuses and other harm to concerned persons” (um risco concreto de abusos aos direitos humanos e outros tipos de dano às pessoas em questão) (Comentário do CIJ, PC-11038, consultar também comentário da HRF, PC-11041). O relatório de 2022 do Relator Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Camboja alertou que uma grande parcela dos partidos políticos que participaram das eleições locais de 2022 cumpriam eram “more of form than of substance” (eram mais burocráticos do que substanciais) e que, desde as eleições de 2017, “he playing field for democratic pluralism has been heavily undermined and the imposition of one-party rule has ridden roughshod over the political lawn” (o campo de atuação do pluralismo democrático foi profundamente comprometido e a imposição da regra de um só partido atropelou qualquer competição no cenário político).
De acordo com ponto de vista do Comitê, esse discurso por um dirigente político com um histórico de opressão, violência e intimidação política, realizado nos momentos finais antes das eleições, contribui para uma campanha mais ampla de incitação à violência e de intimidação e silenciamento de dissidentes e da oposição. Portanto, o Comitê considera necessária a remoção do conteúdo de acordo com a política sobre violência e incitação, visto que nenhuma outra medida menos restritiva da liberdade de expressão seria apropriada para proteger os direitos das pessoas. O Comitê conclui ainda que essa remoção é adequada, considerando a probabilidade e a iminência de dano aos direitos humanos afetados no caso em questão.
Tendo em vista o histórico de Hun Sen de violações aos direitos humanos, intimidação e supressão de adversários políticos e uso das redes sociais para amplificar suas ameaças, o Comitê observa que apenas a remoção do conteúdo não é suficiente em respeito aos direitos das outras pessoas nesse caso e que a suspensão do primeiro-ministro é, portanto, necessária. Apenas remover o conteúdo não impede futuras violações e incitações à violência, que são particularmente perigosas tendo em vista o contexto recente e as eleições iminentes. Logo, o Comitê também atesta que a suspensão da página do Facebook e da conta do Instagram oficiais de Hun Sen é uma ação cabível.
9. Decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão revoga a decisão da Meta de manter o conteúdo e exige que a publicação seja removida.
10. Recomendações
A. Política de conteúdo
1. A Meta deve esclarecer que a sua política sobre a restrição de contas de figuras públicas é aplicável em contextos nos quais cidadãos estão sob ameaça contínua de violência retaliatória pelo governo. A política deve deixar claro que não se restringe apenas a incidentes isolados de agitação civil e violência, mas é aplicável também quando o governo suprime manifestações políticas preventivamente ou reage a elas com violência ou ameaças de violência. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a estrutura pública da Meta para a restrição de contas de figuras públicas for atualizada para refletir esses esclarecimentos.
2. A Meta deve atualizar a sua tolerância de interesse jornalístico para afirmar que conteúdo incitando diretamente à violência não será qualificado para a permissão, sujeito às exceções existentes para a política. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta publicar uma política atualizada sobre conteúdo de interesse jornalístico definindo claramente essa limitação à tolerância.
B. Monitoramento
3. A Meta deve suspender imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram oficiais do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, por um período de seis meses, de acordo com a política da Meta sobre a restrição de contas de figuras públicas durante agitações civis. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta suspender as contas e fizer um pronunciamento público confirmando que isso foi feito.
4. A Meta deve atualizar os seus sistemas de priorização de análise para garantir que o conteúdo de líderes políticos e autoridades governamentais que possivelmente violou a política sobre violência e incitação seja priorizado de forma consistente para uma análise humana imediata. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta divulgar os detalhes sobre as alterações aos seus sistemas de classificação para análise e demonstrar como essas alterações teriam garantido uma análise do conteúdo em questão e de outros similares por líderes de estado e autoridades governamentais.
5. A Meta deve implementar alterações nas diretrizes operacionais ou do produto para possibilitar uma análise mais precisa de vídeos longos (por exemplo, o uso de algoritmos para a previsão do registro de tempo da violação, garantindo um tempo de análise proporcional comparado à duração do vídeo, permitindo que os vídeos sejam reproduzidos nas velocidades 1,5x ou 2x etc.). O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta compartilhar os seus procedimentos de moderação de vídeos de longa duração com ele, incluindo as métricas para demonstrar as melhorias na precisão da análise de vídeos mais longos.
C. Transparência
6. No caso do primeiro-ministro Hun Sen, incluindo todas as medidas a nível de contas adotadas contra líderes políticos e autoridades governamentais, a Meta deve divulgar publicamente o alcance das medidas tomadas e os motivos por trás da decisão. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta divulgar essas informações a Hun Sen e se comprometer a fazê-lo para aplicações futuras contras todos os líderes de estado e autoridades governamentais.
*Nota processual:
As decisões do Comitê de Supervisão são preparadas por grupos com cinco membros e aprovadas pela maioria do Comitê. As decisões do Comitê não representam, necessariamente, as opiniões pessoais de todos os membros.
Para a decisão sobre o caso em apreço, uma pesquisa independente foi contratada em nome do Comitê. O Comitê foi auxiliado por um instituto de pesquisa independente com sede na Universidade de Gotemburgo, que tem uma equipe de mais de 50 cientistas sociais de seis continentes, bem como mais de 3.200 especialistas de países do mundo todo. A Duco Advisors, empresa de consultoria especializada na intercessão entre as áreas de geopolítica, de confiança e segurança e de tecnologia, também ajudou. A Memetica, uma organização dedicada à pesquisa de código aberto sobre tendências de redes sociais, também forneceu análises. A empresa Lionbridge Technologies, LLC, cujos especialistas são fluentes em mais de 350 idiomas e trabalham de 5.000 cidades pelo mundo, forneceu a consultoria linguística.
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