Decisão de múltiplos casos

Conteúdo contra coletivos pós-eleições da Venezuela

Neste pacote de casos céleres, o Comitê de Supervisão analisa dois vídeos contendo linguagem violenta contra os coletivos, grupos armados informais ligados ao Estado na Venezuela, no contexto dos protestos após as eleições presidenciais de julho de 2024.

2 casos incluídos neste pacote

Mantido

IG-BLFI4MP4

Caso sobre violência e incitação no Instagram

Plataforma
Instagram
विषय
Eleições,Liberdade de expressão,Protestos
Padrão
Violência e incitação
Localização
Venezuela
Date
Publicado em 5 de Setembro de 2024
Anulado

FB-SV81R3HF

Caso sobre violência e incitação no Facebook

Plataforma
Facebook
विषय
Eleições,Liberdade de expressão,Protestos
Padrão
Violência e incitação
Localização
Venezuela
Date
Publicado em 5 de Setembro de 2024

1. Descrição do caso

Após a eleição presidencial da Venezuela em 28 de julho de 2024, o país enfrenta uma turbulência. Depois que as autoridades eleitorais do país anunciaram que o atual presidente Nicolás Maduro havia vencido a eleição com resultados amplamente contestados, milhares de pessoas protestaram, e Maduro, por sua vez, pediu uma resposta de “iron fist” (punho de ferro). No âmbito online, o governo restringiu o acesso a algumas plataformas de redes sociais e encorajou os cidadãos a denunciar os manifestantes às autoridades. Fora dele, milhares foram detidos e mais de duas dezenas foram mortos, com grupos armados apoiados pelo Estado, conhecidos como “colectivos” (coletivos), envolvidos na repressão.

Nas semanas após a eleição, os moderadores da Meta notaram um fluxo de conteúdo contra esses coletivos. Isso levantou questões críticas sobre o equilíbrio que a empresa deve encontrar na moderação de publicações que podem conter críticas políticas importantes e conscientizar sobre abusos de direitos humanos em um ambiente repressivo, mas que também podem empregar linguagem violenta durante um período tão volátil.

Os dois casos neste pacote envolvem vídeos publicados após a eleição presidencial de julho de 2024 e durante os protestos que se seguiram. Ambas as publicações fazem referência aos coletivos. No primeiro caso, um usuário do Instagram publicou um vídeo em espanhol sem legenda. O vídeo parece ter sido gravado dentro de um complexo de apartamentos, mostrando um grupo de homens armados em motos chegando ao local. É possível ouvir uma mulher gritando que os coletivos estão tentando entrar no prédio. A pessoa que está filmando grita: “Go to hell! I hope they kill you all!” (Vão para o inferno! Espero que eles matem todos vocês). A Meta constatou que esse conteúdo não violou sua Política sobre Violência e Incitação porque, na visão da empresa, a expressão era uma declaração condicional ou aspiracional, e não uma incitação, contra um indivíduo violento.

No segundo caso, um usuário do Facebook compartilhou um vídeo que parece ter sido gravado de uma moto em movimento. Ele mostra um grupo de homens em motos, provavelmente coletivos, e pessoas correndo na rua. O homem que filma grita que os coletivos estão os atacando. O vídeo tem uma legenda em espanhol criticando as forças de segurança por não defenderem o povo e dizendo que elas deveriam “kill those damn colectivos” (matar esses malditos coletivos). A Meta removeu essa publicação conforme a Política sobre Violência e Incitação por ter uma incitação para cometer violência de alta gravidade.

2. Histórico e contexto do caso célere

Desde que Maduro chegou ao poder em 2013, o país passou por uma crise econômica e política com repressão contínua à oposição e à dissidência (relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a Venezuela, A/HRC/53/54, novembro de 2023) por meio de desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias, tortura e violência sexual ou de gênero. A situação piorou recentemente devido à atual crise eleitoral no país.

A Venezuela realizou eleições presidenciais em 28 de julho de 2024, com o candidato em exercício, o presidente Nicolás Maduro, e o candidato da oposição pertencente à Plataforma Democrática Unitária, Edmundo González Urrutia, dominando a disputa. Nas primeiras horas de 29 de julho de 2024, o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela proclamou Maduro o vencedor, sem nenhuma explicação sobre como os votos foram contabilizados O CNE não publicou um detalhamento dos resultados das seções eleitorais em todo o país, conforme exigido pela lei venezuelana, ou outras evidências para comprovar essa alegação.

Os resultados foram amplamente contestados. O Painel de Peritos Eleitorais da ONU enviado pelo Secretário-Geral da ONU, a convite do CNE da Venezuela para acompanhar e relatar o processo eleitoral , declarou que os resultados do CNE “ficaram aquém das medidas básicas de transparência e integridade que são essenciais para a realização de eleições credíveis”. O Carter Center, um grupo da sociedade civil que monitora eleições e foi igualmente convidado pelo CNE para observar as eleições presidenciais, também concluiu que estas “não cumpriam as normas internacionais de integridade eleitoral e não podem ser consideradas democráticas”, e observou ainda que a “falha do CNE em anunciar resultados desagregados por seções eleitorais constitui uma violação grave dos princípios eleitorais”.

Milhares de pessoas protestaram contra as alegações de vitória de Maduro. Os protestos de rua, bem como as críticas nas redes sociais, nas semanas seguintes à eleição foram recebidos com feroz repressão pelo estado, com os coletivos ligados ao estado aderindo a essa repressão, induzindo um clima de medo generalizado. Entre 28 de julho e 8 de agosto, no contexto dos protestos, a ONU relatou 23 mortes, a maioria por tiros. O governo também deteve mais de 2 mil pessoas, incluindo mais de 100 crianças e adolescentes. Manifestantes, líderes, membros e apoiadores de partidos políticos, jornalistas e ativistas dos direitos humanos considerados ou percebidos pelas autoridades como opositores, e indivíduos que participaram de protestos ou expressaram suas opiniões nas redes sociais foram alvos e perseguidos por forças estatais e coletivos. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as manifestações foram duramente reprimidas pelas forças estatais e coletivos e, embora a maioria das mortes relatadas sejam atribuídas às forças estatais, pelo menos seis delas são atribuídas aos coletivos. A Comissão afirmou ainda que os coletivos “agem com o consentimento, a tolerância ou a aquiescência do Estado”. A Missão Internacional Independente de Investigação da ONU sobre a Venezuela e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos emitiram declarações destacando e expressando preocupação com a repressão estatal, incluindo a violência cometida pelas forças de segurança e pelos coletivos durante esses protestos.

Desde 2019, por meio de vários relatórios sobre a situação dos direitos humanos na República Bolivariana da Venezuela (A/HRC/41/18, A/HRC/44/20, A/HRC/48/19 e A/HRC/53/54), o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) declarou que “grupos civis armados pró-governo” chamados coletivos “contribuem para [um] sistema [de repressão e perseguição direcionadas por motivos políticos] ao exercer controle social em comunidades locais e apoiar forças de segurança na repressão de manifestações e dissidências”. O ACNUDH documentou ataques de coletivos armados contra opositores políticos, manifestantes e jornalistas, com as forças de segurança não fazendo “nenhum esforço para impedir esses ataques”, e solicitou que o governo venezuelano “desarme e desmantele” os coletivos armados e “garanta investigações sobre seus crimes”.

Tanto os relatores especiais da ONU como os do sistema interamericano sobre a liberdade de expressão observaram suas preocupações sobre a falta de liberdade de expressão na Venezuela:

“Existem limitações preocupantes no exercício da liberdade de expressão na Venezuela, marcadas pelo assédio e perseguição de vozes dissidentes, em particular jornalistas, profissionais da mídia e meios de comunicação independentes, bem como líderes sociais e ativistas dos direitos humanos. Medidas restritivas também foram relatadas no espaço digital na Venezuela, principalmente por meio de bloqueios injustificados da internet e de conteúdo direcionados contra veículos de mídia independentes. O fechamento de veículos de comunicação e/ou a apreensão de seus equipamentos, ordenados pelo governo, estão limitando cada vez mais o acesso dos cidadãos a informações confiáveis ​​de fontes independentes, ao mesmo tempo em que agravam um ambiente geral de autocensura entre os meios de comunicação.”

A CIDH e asorganizações da sociedade civil também observaram que, após as eleições presidenciais de 2024, houve relatos de estratégias de assédio e perseguição possibilitadas pelo uso da tecnologia. O governo intensificou suas medidas de vigilância e censura digital, usando ferramentas como o VenApp para relatar atividades dissidentes e revelar a identidade de manifestantes; vigilância por vídeo para monitorar protestos e drones para provocar medo generalizado.

3. Justificativa para a análise célere e resposta da Meta

A Meta encaminhou ambos os itens de conteúdo ao Comitê em 15 de agosto de 2024 para uma decisão célere. O Regulamento Interno do Comitê de Supervisão prevê uma análise célere em “circunstâncias excepcionais, inclusive quando o conteúdo pode gerar consequências urgentes no mundo real”, e as decisões são vinculantes para a Meta (Estatuto, Art. 3, seção 7.2; Regulamentos internos, Art. 2, seção 2.1.2). O processo célere não inclui pesquisas extensas, consultas ou comentários públicos que seriam realizados em casos padrão. O caso é decidido com base nas informações disponíveis ao Comitê no momento da deliberação e por um painel de cinco membros, sem votação do Comitê inteiro.

A Meta informou ao Comitê que, após os protestos generalizados contra os resultados eleitorais anunciados e as subsequentes repressões por parte de agentes estatais e de coletivos, a empresa notou um aumento de conteúdo com discurso violento contra coletivos em suas plataformas. Ela descreveu coletivos como um termo geral para grupos armados de estilo paramilitar estreitamente alinhados ao regime na Venezuela, que se envolveram em confrontos com manifestantes após a eleição. Nesse contexto, os coletivos são considerados indivíduos violentos pela empresa.

As políticas da Meta distinguem entre a permissão de “declarações que expressam a esperança de que indivíduos violentos sejam mortos” e a proibição de “incitações contra indivíduos violentos”. Por meio dessa distinção, conhecida internamente como “exclusão de indivíduo violento”, a empresa visa equilibrar “discussões legítimas sobre temas de importância pública” com “preocupações com a segurança”. A Meta considera esse equilíbrio “particularmente difícil” no contexto de ameaças violentas contra os coletivos por várias razões: “(1) as preocupações crescentes em torno das pessoas que procuram conscientizar sobre os coletivos, por vezes em um contexto de legítima defesa, (2) os meios limitados para a liberdade de expressão, e (3) o papel dos coletivos nas repressões violentas contra os manifestantes.”

Embora, em geral, a empresa veja “ameaças de violência aspiracionais ou condicionais, incluindo a expressão de esperança de que a violência será cometida, direcionadas a terroristas e outros indivíduos violentos” como “não plausíveis, na ausência de evidências específicas em contrário”, ela remove “declarações de intenção ou incitações” para cometer violência, independentemente do alvo, a fim de garantir que as ameaças mais graves sejam capturadas. No entanto, a Meta reconheceu que, no contexto da Venezuela, o discurso em questão na publicação do Facebook e em publicações semelhantes expressam a perspectiva de pessoas que podem se sentir vitimizadas e inseguras devido à presença de coletivos em seu cotidiano e não têm outros lugares para expressar seu medo e sua frustração, devido aos limitados canais de livre expressão no país. Ao mesmo tempo, como a situação no país continua volátil, a empresa optou por priorizar a segurança e remover o conteúdo do Facebook, aplicando à risca sua Política sobre Violência e Incitação. Embora os coletivos não sejam alvos vulneráveis, mas sim grupos organizados e fortemente armados, a empresa explicou que estava preocupada com o fato de que permitir incitações à ação e declarações de intenção de matar esses grupos pudesse, ainda assim, contribuir para um risco maior de violência no meio físico em uma crise em andamento. Por fim, como a Meta reconheceu que os dois itens de conteúdo expressam sentimentos semelhantes, ela solicitou a contribuição do Comitê sobre essa distinção, principalmente no contexto da crise pós-eleitoral na Venezuela.

O Comitê também observa que, desde 2021, a Meta reduziu a distribuição de conteúdo político em suas plataformas. Isso significa que, a menos que um usuário pesquise proativamente, a Meta não recomendará esse tipo de conteúdo em suas plataformas. A empresa define conteúdo político como, em geral, incluindo publicações que discutem política, leis, eleições e outros temas sociais, e presumivelmente conteúdo semelhante às publicações abordadas nesse caso.

O Comitê aceitou esses casos de forma célere devido à importância das plataformas da Meta para a liberdade de expressão durante a crise em andamento na Venezuela, onde a repressão governamental aos protestos levou à escalada da violência e às violações dos direitos humanos. É importante que as políticas e medidas de aplicação da Meta permitam a dissidência política sem contribuir para a violência no país. Ambos os casos se enquadram nas eleições e no espaço cívico do Comitê, bem como nas prioridades estratégicas de crise e conflito ..

4. Envio do usuário

A Meta notificou os usuários sobre seus respectivos casos sendo encaminhados ao Comitê. Os usuários foram convidados a enviar uma declaração, mas não a forneceram.

5. Decisão

No primeiro caso, o Comitê manteve a decisão da Meta de deixar o conteúdo no Instagram. No segundo caso, ele anulou a decisão da Meta de remover o conteúdo do Facebook. Ele concluiu que, no contexto da crise atual na Venezuela, permitir ambos os itens de conteúdo é consistente com as políticas de conteúdo, os valores e as responsabilidades de direitos humanos da Meta.

5.1 Conformidade com as políticas de conteúdo da Meta

O Comitê concluiu que nenhuma das publicações viola as políticas de conteúdo da Meta. A Política sobre Violência e Incitação da Meta proíbe ameaças de violência, definidas como “declarações ou imagens que representam uma intenção, aspiração ou incitação à violência contra um alvo”. Anteriormente, a Meta reconheceu no fundamento de sua política que presumia que “ameaças de violência aspiracionais ou condicionais” que têm como alvo indivíduos violentos são “não plausíveis, na ausência de evidências específicas em contrário”. Após a decisão do Comitê no caso Vídeo de delegacia de polícia no Haiti, que observou que esse princípio não estava refletido em uma regra, a Meta atualizou suas regras em 25 de abril de 2024 para incluir uma exceção que permite “ameaças quando compartilhadas em contexto de conscientização ou condenação, […] ou determinadas ameaças contra indivíduos violentos, como grupos terroristas”. Essa exceção é relevante para os casos, pois a Meta informou ao Comitê que considera os coletivos como indivíduos violentos.

No primeiro caso, o Comitê concorda com a decisão da Meta de manter o conteúdo no Instagram. Ele considera a declaração “Go to hell! I hope they kill you all!” (Vão para o inferno! Espero que eles matem todos vocês!) aspiracional, o que é permitido pela exceção ou exclusão de indivíduo violento. O Comitê concorda com a avaliação da Meta de que os coletivos se envolveram em atos violentos contra supostos opositores do governo. O vídeo contém um desejo de que a violência seja cometida contra os coletivos, e a publicação se enquadra perfeitamente na exceção de indivíduos violentos em caso de declarações aspiracionais.

No entanto, no segundo caso, o Comitê discorda da Meta de que a declaração de que as forças de segurança deveriam “kill those damn colectivos” (matar esses malditos coletivos) na publicação do Facebook é uma incitação ameaçadora à ação. Embora o Comitê entenda o fundamento subjacente à abordagem geral da Meta às ameaças direcionadas a indivíduos violentos, que distingue entre permissão para “declarações que expressam a esperança de que indivíduos violentos sejam mortos” e proibição de “incitações contra indivíduos violentos”, ele considera esse conteúdo semelhante à publicação do Instagram e, no contexto em que foi publicado, que também deve ser entendido como uma declaração aspiracional qualificada para a exceção de indivíduo violento.

A frase “kill those damn colectivos” (matem esses malditos coletivos) fazia parte de uma legenda mais ampla pedindo às forças de segurança que defendessem as pessoas contra a violência cometida por grupos paramilitares, no contexto de um vídeo que mostra um grupo de homens, presumivelmente coletivos, em motos, e pessoas correndo na rua, com um homem gritando que os coletivos estão atacando-os. Em resposta às perguntas do Comitê, a Meta explicou que a referência às forças de segurança no conteúdo não impactou sua decisão de remover a publicação, pois a empresa não permite “incitações direcionadas a indivíduos violentos”, independentemente de quem está sendo solicitado a cometer a violência. Ela explicou ainda que a empresa geralmente não está em posição de determinar se os indivíduos mencionados em uma publicação estão autorizados a usar violência de alta gravidade ou se o uso dessa força seria justificado em uma determinada situação.

O Comitê entende as razões da Meta de adotar essa abordagem, na ausência de contexto específico. Entretanto, nesse caso e no contexto da crise atual na Venezuela, o Comitê considera que a referência às forças de segurança no vídeo e o fato de o usuário estar criticando-as por não defenderem o povo da violência cometida pelos coletivos são relevantes para a compreensão do conteúdo como um todo. Esse contexto torna a ameaça, que poderia ser entendida como uma incitação quando lida literalmente, pouco plausível e, portanto, aspiracional por várias razões. Primeiro, as forças de segurança estão ligadas aos coletivos, e ambos estão envolvidos na repressão da oposição (ver Seção 2 acima). Portanto, é extremamente improvável que as forças de segurança ataquem, ou mesmo sejam percebidas como dispostas a atacar os coletivos no atual contexto da Venezuela. Em segundo lugar, a pessoa que publica o conteúdo parece estar fugindo dos coletivos. Como a Meta observou em sua referência, o conteúdo contra coletivos está surgindo em meio à participação deles em uma repressão violenta a protestos em grande parte não violentos. O usuário que publica esse conteúdo é uma pessoa física, sem influência ou autoridade significativa sobre os outros (ao contrário da decisão do caso Gabinete de Comunicações da Região do Tigré). Além disso, as pessoas no vídeo parecem ser alvo de violência ou assédio por parte dos coletivos, e não uma fonte de violência contra eles.

Dadas as razões acima, embora a legenda peça expressamente que as forças de segurança “kill the damn colectivos,” (matem os malditos coletivos), a declaração é melhor interpretada, tanto no contexto do vídeo quanto na crise mais ampla na Venezuela, como uma expressão de medo e frustração, em uma das limitadas vias de liberdade de expressão no país. O Comitê reconhece a preocupação da Meta de que permitir esse tipo de expressão poderia contribuir para um risco maior de violência no meio físico em uma crise em andamento. No entanto, dado o contexto específico da Venezuela, em que a repressão e a violência generalizadas são realizadas por forças estatais em conjunto com coletivos, e onde há fortes restrições aos direitos das pessoas à liberdade de expressão e reunião pacífica, é fundamental permitir que elas expressem livremente sua discordância, sua raiva ou seu desespero, mesmo recorrendo a uma linguagem forte. Declarações como as contidas nessa publicação são, portanto, melhor compreendidas no contexto atual da Venezuela, como declarações aspiracionais não plausíveis, qualificadas para a exceção de indivíduo violento.

O Comitê reconhece que, em situações de crise, em que há risco tanto em manter conteúdo prejudicial quanto em remover discurso político protegido, a Meta deve adaptar as orientações generalizadas de aplicação para ser mais responsiva às realidades de como as pessoas alvos da violência apoiada pelo Estado se expressam em suas plataformas. Nesse sentido, a Meta desenvolveu um Protocolo de Política de Crise, permitindo a implementação de adaptações por tempo limitado em suas políticas e na forma como elas são aplicadas. Quando, como nesse caso, a Meta designa uma situação de crise, ela deve avaliar a dinâmica de poder específica da crise em questão e a probabilidade de danos no mundo real para determinar até que ponto expressões violentas de raiva ou desespero provavelmente constituem ameaças plausíveis ​​ou levam à violência no meio físico, ou se devem ser entendidas como aspiracionais, na ausência de evidências específicas em contrário.

O Comitê acredita que o contexto atual na Venezuela justifica a ativação desse protocolo para garantir que a Meta respeite a voz dos manifestantes e de outras pessoas alvos da violência apoiada pelo Estado. Especificamente, deve haver uma expansão da orientação sobre como definir “declarações aspiracionais ou condicionais de violência” contra alguns indivíduos violentos. Essa expansão da orientação de aplicação deve estar sujeita à análise regular, com contribuições de grupos potencialmente afetados e partes interessadas relevantes.

5.2 Conformidade com as responsabilidades da Meta relativas aos direitos humanos

O Comitê considera que manter a publicação no Instagram e restaurá-la no Facebook está alinhado com as responsabilidades de direitos humanos da Meta.

O artigo 19 do PIDCP garante a liberdade de compartilhar, buscar e receber informações e ideias “de todos os tipos”. A expressão protegida inclui “discurso político”, comentários sobre assuntos públicos e “discussão de direitos humanos” (Comentário Geral n.º 34, 2011, parágrafo 11; Comentário Geral n.º 37, 2020, parágrafo 32). Além disso, os intervenientes governamentais estão “legitimamente sujeitos a críticas e oposição política” (Comentário Geral n.º 34, 2011, parágrafo 38). O acesso às redes sociais é crucial na Venezuela, onde a repressão de longa data às vozes da oposição e à mídia independente só se tornou mais acentuada na crise atual. Como “guardiãs digitais”, as plataformas de redes sociais têm um “impacto profundo” no acesso público à informação (A/HRC/50/29, parágrafo 90; Ver decisões sobre os casos Menção ao Talibã em reportagens de notícias, Slogan de protesto contra o Irã).

Quando um Estado aplica restrições à expressão, elas devem atender aos requisitos de legalidade, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade, segundo o parágrafo 3 do Artigo 19 do PIDCP. Esses requisitos costumam ser chamados de “teste tripartite”. O Comitê usa essa estrutura para interpretar os compromissos voluntários de direitos humanos da Meta, tanto em relação à decisão de conteúdo individual em análise quanto ao que isso diz sobre a abordagem mais ampla da Meta à governança de conteúdo. Fazendo isso, o Comitê tenta ser sensível a como esses direitos podem ser diferentes quando aplicados a uma empresa privada de rede social em comparação a quando são aplicados a um governo. Apesar disso, como afirmou o Relator Especial da ONU sobre liberdade de expressão, embora as empresas não tenham obrigações governamentais, “seu impacto exige que avaliem o mesmo tipo de questões sobre a proteção do direito de seus usuários à liberdade de expressão” (relatório A/74/486, parágrafo 41).

O princípio da legalidade exige que as regras que restringem a liberdade de expressão sejam acessíveis e suficientemente claras para fornecer orientação sobre o que é permitido e o que não é. O Comitê considera que, conforme aplicado a esses casos, a exceção ou exclusão do indivíduo violento das regras de incitação da Meta é suficientemente clara, especialmente após as atualizações de 25 de abril de 2024. No entanto, como mencionado acima, em situações de crise, a Meta deve adaptar sua orientação generalizada de aplicação para ser mais responsiva aos fatores contextuais que afetam a maneira como as pessoas alvos da violência apoiada pelo Estado se expressam em suas plataformas.

Da mesma forma, o Comitê já concluiu que na busca por “prevenir possível violência no meio físico” removendo conteúdo que represente “um risco genuíno de lesão corporal ou ameaças diretas à segurança pública”, o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação cumpre o propósito legítimo de proteger o direito à vida (artigo 6º do PIDCP) e o direito à segurança pessoal (artigo 9º do PIDCP, Comentário Geral n.º 35, parágrafo 9; Ver decisões sobre os casos Reportagem sobre um discurso no parlamento do Paquistão, Gabinete de Comunicações da Região do Tigré, Reféns sequestrados de Israel, Slogan de protesto contra o Irã).

O princípio da necessidade e da proporcionalidade mostra que qualquer restrição à liberdade de expressão “deve ser apropriada para cumprir sua função protetora; ser o instrumento menos intrusivo entre aqueles que podem cumprir sua função protetora [e] ser proporcional ao interesse a ser protegido” (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 34).

O Comitê considera que não era necessário remover nenhuma das publicações. Conforme detalhado na Seção 5.1 acima, vários fatores contextuais deixaram claro que nenhuma das publicações deveria ser entendida como uma incitação para que outros se envolvessem em violência e, mais importante, não era iminente nem provável de que a violência resultasse dessas declarações.

Os indivíduos que publicaram o conteúdo são pessoas físicas que compartilham suas experiências diretas com violência ou assédio que os coletivos estão cometendo contra eles. Nesse contexto, suas publicações podem ser entendidas como uma condenação às forças de segurança (no caso do Facebook) e um grito de medo e desespero, pedindo ajuda em um momento de crise e incerteza (em ambos). Ambas as publicações retratam e descrevem como os coletivos estão atacando ou assediando pessoas e criticam essas ações e, no contexto da Venezuela, a iminência ou mesmo a probabilidade de dano causado por conteúdo como esse é baixa. Os alvos da violência aspiracional são forças apoiadas pelo Estado que contribuíram para a repressão de longa data do espaço cívico e outras violações dos direitos humanos na Venezuela, inclusive na atual crise pós-eleitoral. Em contraste, a população civil tem sido amplamente alvo de abusos de direitos humanos.

Conforme mencionado anteriormente nessa decisão, as publicações foram feitas em um contexto de alta tensão social e política, caracterizado por uma onda de repressão após os resultados altamente contestados das eleições presidenciais de 2024. Em ambas as publicações, que expressam sentimentos muito semelhantes, indivíduos recorrem a uma linguagem forte para expressar seu medo, sua raiva e seu desespero em relação às ações dos coletivos e à falta de resposta das forças de segurança (no caso do Facebook). A remoção de conteúdo como o do caso do Facebook, que no contexto não constitui uma ameaça plausível, tem um impacto negativo significativo sobre as pessoas que denunciam as ações dos coletivos, que enfrentam enormes restrições à liberdade de expressão e à responsabilização do Estado e de indivíduos apoiados pelo Estado.

O Comitê também está profundamente preocupado que, no contexto da Venezuela, a política da empresa de reduzir a distribuição de conteúdo político possa prejudicar a capacidade dos usuários de expressar dissidência política e conscientizar sobre a situação no país para atingir o maior público possível. Se esse for o caso, o Comitê acredita que um recurso de política poderia ser incluído em seu Protocolo de Política de Crise para garantir que conteúdo político, especialmente em torno de eleições e protestos pós-eleitorais, seja qualificado para o mesmo alcance que conteúdo não político.

Por fim, o Comitê afirmou repetidamente a importância de avaliar o contexto para garantir que o discurso político seja protegido, especialmente em países em conflito ou que enfrentam restrições significativas à liberdade de expressão, como na Venezuela (veja as decisões dos casos Protestos na Colômbia, Slogan de protesto no Irã e Convocação das mulheres para protesto em Cuba). Portanto, a Meta também deve usar o Protocolo de Política de Crise para permitir respostas a situações como as vistas na Venezuela. Particularmente em contextos com repressão à dissidência democrática, quando as ameaças parecem não ser plausíveis ​​e a probabilidade desse conteúdo levar à violência no meio física é baixa, a Meta deve ajustar sua política e orientação de aplicação adequadamente, sujeita à análise regular, com contribuições de grupos potencialmente afetados e partes interessadas relevantes.

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