Comitê de Supervisão revoga decisão da Meta no caso “Primeiro-ministro do Camboja”
29 de Junho de 2023
O Comitê de Supervisão revogou a decisão da Meta de manter um vídeo no Facebook em que o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, ameaça seus adversários políticos com violência. Dada a gravidade dessa violação e o histórico de violações aos direitos humanos e intimidações a adversários políticos cometidas por Hun Sen, assim como seu uso estratégico das redes sociais para amplificar essas ameaças, o Comitê solicita que a Meta suspenda imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram do primeiro-ministro cambojano por seis meses.
Sobre o caso
Em 9 de janeiro de 2023, a página do Facebook oficial do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, realizou uma transmissão ao vivo.
O vídeo mostra um discurso realizado por Hun Sen em khmer, idioma oficial do Camboja, com duração de uma hora e 41 minutos. No discurso, ele responde às alegações de que seu Partido Popular do Camboja (CPP, na sigla em inglês), atualmente no poder, roubou votos durante as eleições locais do país em 2022. Ele pede que os adversários políticos responsáveis pelas alegações escolham entre o “legal system” (sistema jurídico) ou “a bat” (um cassetete) e afirma ainda que, caso não escolham o sistema jurídico, ele “will gather CPP people to protest and beat you up” (vai convocar apoiadores do CPP para protestar e agredi-los). Ele também faz menção a “sending gangsters to [your] house” (enviar capangas para a [sua] casa) e diz que pode “arrest a traitor with sufficient evidence at midnight” (prender um traidor com evidências suficientes à meia-noite). Mais à frente no discurso, entretanto, ele afirma que “we don’t incite people and encourage people to use force” (nós não incitamos as pessoas e não as encorajamos a recorrer à força). Após a transmissão ao vivo, o vídeo foi automaticamente carregado na página do Facebook de Hun Sen, onde teve cerca de 600 mil visualizações.
Entre 9 e 26 de janeiro de 2023, três usuários denunciaram o vídeo cinco vezes por violar os Padrões da Comunidade da Meta sobre Violência e Incitação. A política proíbe “ameaças que possam levar à morte” (violência de alta gravidade) e “ameaças que causem ferimentos graves” (violência de média gravidade), incluindo “declarações de intenção de cometer violência”. Após a apelação dos usuários que denunciaram o conteúdo, ele foi avaliado por dois analistas humanos, que concluíram que ele não violava as políticas da Meta. Concomitantemente, o conteúdo foi escalonado a especialistas em políticas e no assunto em questão dentro da Meta. Eles determinaram que o conteúdo violava os Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação, mas aplicaram uma tolerância a conteúdo de interesse jornalístico. Esse tipo de tolerância permite que um conteúdo, de outra forma em violação, seja mantido caso sua utilidade pública supere o risco de danos.
Um dos usuários que denunciou o conteúdo fez uma apelação da decisão da Meta ao Comitê. Separadamente, a Meta indicou o caso ao Comitê. Na indicação, a Meta afirmou que o caso envolvia um equilíbrio desafiador entre seus valores de “Segurança” e “Voz” para determinar quando permitir que o discurso feito por um líder político que viole sua política sobre violência e incitação seja mantido nas plataformas da empresa.
Principais conclusões
O Comitê conclui que o vídeo em questão nesse caso incluía afirmações indiscutíveis de intenção de cometer violência contra os adversários políticos de Hun Sen, o que claramente viola a política sobre violência e incitação. O uso de termos como “bat” (cassetete) e “sending gangsters to [your] house” (enviar capangas para a [sua] casa) ou “legal action” (ação judicial), incluindo prisões à meia-noite, pode ser considerado incitação à violência e assédio judicial.
O Comitê conclui ainda que a Meta agiu de forma errada ao aplicar uma tolerância de interesse jornalístico nesse caso, visto que os danos causados por permitir que o conteúdo continue na plataforma superam seu valor de utilidade pública. Considerando o alcance de Hun Sen nas redes sociais, permitir esse tipo de manifestação no Facebook faz com que suas ameaças se espalhem de forma mais ampla. Como resultado disso, as plataformas da Meta também acabam por contribuir com esses danos amplificando as ameaças e a intimidação decorrente delas.
O Comitê também demonstra preocupação com a campanha contínua de assédio e intimidação por um líder político contra a mídia independente e com a possibilidade de a oposição política se tornar um fator na análise de interesse jornalístico que leve o conteúdo violador a não ser removido e a conta a não sofrer penalidades. Esse tipo de comportamento não deveria ser recompensado. A Meta deveria considerar com mais acuidade a liberdade de imprensa ao avaliar o interesse jornalístico para evitar que essa tolerância seja aplicada a discursos governamentais quando o próprio governo impulsiona o interesse no seu conteúdo limitando a livre imprensa.
O Comitê insiste que a Meta esclareça que sua política sobre a restrição de contas de figuras públicas não se limita apenas a incidentes isolados de violência e agitação civil, mas também a contextos nos quais cidadãos estão sob constante ameaça de violência retaliatória pelo governo.
Neste caso, dada a gravidade da violação, o histórico de outras violações aos direitos humanos e intimidações a adversários políticos cometidas por Hun Sen e o seu uso estratégico das redes sociais para amplificar essas ameaças, o Comitê solicita que a Meta suspenda imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram do primeiro-ministro por seis meses.
A decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão revoga a decisão da Meta de manter o conteúdo e exige que a publicação seja removida.
O Comitê recomenda que a Meta faça o seguinte:
- Suspenda imediatamente a página do Facebook e a conta do Instagram oficiais do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, por um período de seis meses, de acordo com a política da Meta sobre a restrição de contas de figuras públicas durante agitações civis. O Comitê considerará essa recomendação implementada quando a Meta suspender as contas e fizer um pronunciamento público confirmando que isso foi feito.
- Esclareça que sua política sobre a restrição de contas de figuras públicas é aplicável em contextos nos quais cidadãos estão sob ameaça contínua de violência retaliatória pelo governo. A política deve deixar claro que não se restringe apenas a incidentes isolados de agitação civil e violência, mas é aplicável também quando o governo suprime manifestações políticas preventivamente ou reage a elas com violência ou ameaças de violência.
- Atualize sua tolerância de interesse jornalístico para afirmar que conteúdo incitando diretamente a violência não será qualificado para a permissão, sujeito às exceções existentes na política.
- Atualize seus sistemas de priorização de análise para garantir que o conteúdo de líderes políticos e autoridades governamentais que possivelmente violou a política sobre violência e incitação seja priorizado de forma consistente para uma análise humana imediata.
- Implemente alterações nas diretrizes operacionais e/ou do produto para possibilitar uma análise mais precisa de vídeos longos (por exemplo, usar algoritmos para prever a data e a hora da violação, garantir um tempo de análise proporcional comparado à duração do vídeo, permitir que os vídeos sejam reproduzidos em velocidade 1,5x ou 2x maior etc.).
- Divulgue publicamente o alcance das medidas tomadas e os motivos por trás da decisão para o caso do primeiro-ministro Hun Sen, incluindo todas as medidas a nível de contas adotadas contra líderes políticos e autoridades governamentais.
Mais informações
Para ler a decisão na íntegra, clique aqui.
Para ler um resumo dos comentários públicos sobre o caso, clique no anexo abaixo.