Mantido
Reportagem sobre um discurso no parlamento do Paquistão
O Comitê de Supervisão manteve a decisão da Meta de deixar ativa uma publicação compartilhada por um veículo de notícias no Paquistão que inclui um vídeo de um político fazendo um discurso no parlamento do país. O Comitê considera que a preservação desse discurso figurativo, durante as preparações para as eleições, é essencial.
Resumo
O Comitê de Supervisão manteve a decisão da Meta de deixar ativa uma publicação compartilhada por um veículo de notícias no Paquistão que inclui um vídeo de um político fazendo um discurso no parlamento do país. A publicação não viola o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação porque é categorizada como uma exceção por “conscientização”. Além disso, as referências do político aos servidores públicos serem sacrificados ou “hanged” (enforcados) são figurativas (não literais), ao considerar todo o discurso, que procura chamar atenção para a crise política do Paquistão e a falta de responsabilização no sistema político. Em um período de tumulto, antes das eleições nacionais, o Comitê considera essencial preservar esse discurso.
Sobre o caso
Em maio de 2023, um veículo de notícias independente no Paquistão publicou um vídeo, na sua página do Facebook, de um político paquistanês dando um discurso em urdu para o parlamento do país. O discurso faz referências ao que ele descreve como uma “tradition” (tradição) egípcia ancestral na qual as pessoas eram sacrificadas para conter as cheias do rio Nilo. O político usa essa referência para expressar o que ele acha que deveria acontecer no Paquistão atualmente, também retomando um discurso anterior no qual ele disse que o país não conseguiria se recuperar até que os servidores públicos, incluindo os militares fossem “hanged” (enforcados). O político implica que ele mesmo e seus colegas estão entre os funcionários que devem ser sacrificados, afirmando que são todos responsáveis pelo que está acontecendo. O seu discurso faz referência à crise política em andamento, com críticas voltadas para os poderes governamentais e as forças militares. A publicação foi compartilhada cerca de 20 mil vezes e teve 40 mil reações.
O veículo de notícias local publicou o vídeo antes das eleições nacionais que ocorreriam em 2023, mas que foram postergadas até fevereiro de 2024. Durante um período de agitação política, em que foi possível observar a intensificação dos confrontos entre o ex-primeiro-ministro Imran Khan e o poder militar, o país vivenciou protestos políticos e uma crescente polarização. Houve medidas punitivas contra adversários políticos, e, no Baluchistão, a província onde o partido do político em questão está sediado, a repressão estatal foi particularmente acentuada.
Ao longo de um período de três meses em 2023, os sistemas automatizados da Meta identificaram a publicação como potencialmente violadora 45 vezes. Em seguida, dois analistas humanos chegaram a diferentes decisões sobre a publicação, um concluindo que ela não era violadora, e o outro concluindo que ela violava as regras da Política sobre Violência e Incitação. Como a conta que compartilhou o conteúdo fazia parte do programa de verificação cruzada da Meta, a publicação foi marcada para um nível adicional de análise. Por fim, os especialistas no assunto e em políticas da Meta concluíram que a publicação não era violadora. A Meta indicou o caso ao Comitê porque ele retrata tensões em seus valores de voz e segurança quando aplicados ao discurso político.
Principais conclusões
O Comitê conclui que a publicação não viola o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação porque ela foi compartilhada por um veículo de notícias que procurava informar outras pessoas e, portanto, é categorizada como uma exceção por “conscientização”. Realizado durante as preparações para as eleições em frente ao parlamento, o discurso do político sem dúvidas abordou assuntos de interesse público, incluindo eventos nas esferas política e pública. Como foi compartilhado durante um período de inquietação nacional por um veículo de notícias local, o discurso exigia um nível de proteção “particularmente alto”. Além disso, a legenda da publicação não apoiava ou corroborava o discurso do político, mas chamava atenção para a forte reação que o discurso gerou no parlamento.
No momento em que a publicação foi compartilhada em maio de 2023, a exceção por “conscientização” só havia sido incluída nas diretrizes internas da Meta para analistas, e não publicamente. Contudo, foi incluída, desde então, aos Padrões da Comunidade conforme uma das recomendações anteriores do Comitê.
O Comitê também enfatiza a importância de avaliar o contexto durante a aplicação da Política sobre Violência e Incitação a discursos feitos por políticos que possam incitar a violência. Neste caso, não houve nenhuma ameaça real que poderia ocasionar a morte de alguém por causa da publicação, que era uma reportagem sobre um político usando linguagem figurativa para comentar sobre a crise política no Paquistão. A comparação entre “hanging” (enforcar) servidores públicos e o mito ancestral egípcio sobre sacrifício é claramente metafórica e um exagero político, em vez de uma ameaça real. Os especialistas consultados pelo Comitê confirmaram que os políticos paquistaneses costumam usar uma linguagem bastante tensa e provocativa a fim de chamar atenção para temas que consideram importantes. O político em questão não nomeia nenhum alvo específico em seu discurso, mas se refere aos servidores públicos em geral, inclusive a si mesmo. Quando analisado na íntegra, o discurso pede com urgência por ações a respeito da responsabilidade entre servidores públicos enquanto chama atenção para temas mais abrangentes, incluindo violações dos direitos humanos contra o povo do Baluchistão.
Portanto, o Comitê considera que a preservação desse discurso, durante as preparações para as eleições, é essencial.
Decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão concorda com a decisão da Meta de manter o conteúdo.
O Comitê não faz nenhuma nova recomendação, mas reitera a recomendação n.º 1 da decisão sobre o caso Discurso de general brasileiro a fim de garantir que discursos com alto valor de interesse público durante preparações para eleições possam ser preservados nas plataformas da Meta. Especificamente, o Comitê insta a Meta a acelerar a implementação de uma estrutura “para avaliar os esforços eleitorais da empresa, inclusive criando e compartilhando métricas”. Isso é particularmente importante dado o grande número de eleições em 2024, incluindo em países da maioria global.
*Os resumos de casos fornecem uma visão geral dos casos e não têm valor de precedente.
Decisão completa sobre o caso
1.Resumo da decisão
O Comitê de Supervisão mantém a decisão da Meta de deixar ativa uma publicação compartilhada por um veículo de notícias que inclui um vídeo de um político fazendo um discurso no parlamento do Paquistão antes das eleições nacionais no país. A publicação contém uma legenda ressaltando a intensa reação que o discurso provocou no parlamento. O discurso faz referências ao que o político descreve com uma “tradition” (tradição) egípcia ancestral de sacrificar pessoas para conter as cheias do rio Nilo. O político usa essa referência para expressar o que ele acha que deveria acontecer no Paquistão atualmente e como um lembrete de quando ele disse anteriormente que o país não conseguiria se recuperar até que os servidores públicos fossem “hanged” (enforcados). O seu discurso foi realizado no contexto de uma significativa agitação política no Paquistão, durante as preparações para as eleições, e apresenta críticas aos poderes governamentais e às forças militares.
O Comitê conclui que a publicação não violou a Política sobre Violência e Incitação porque ela foi compartilhada por um veículo de notícias que procurava informar outras pessoas e, portanto, é categorizada como uma exceção por “conscientização”. O discurso do político compartilhado pelo veículo de notícias abrangia assuntos de interesse público e foi feito em frente ao parlamento durante as preparações para as eleições, em um período de inquietação nacional. Além disso, o Comitê também considera que a legenda da publicação não apoiava ou corroborava o discurso do político, mas chamava atenção para a forte reação que o discurso gerou no parlamento. Em um período de tumulto, antes das eleições nacionais, o Comitê considera essencial preservar esse discurso.
Ademais, dado o contexto e considerando o discurso do político por completo, o Comitê considera que a declaração relevante é figurativa, em vez de literal. A comparação entre “hanging” (enforcar) servidores públicos e o mito ancestral egípcio sobre sacrifício é claramente metafórica e um exagero político, em vez de uma ameaça real que poderia ocasionar uma morte. O político não nomeia nenhum alvo específico no seu discurso e se inclui entre aqueles que devem ser sacrificados. O Comitê conclui que seu discurso deveria ser entendido como uma chamada para ação urgente em relação à responsabilidade entre servidores públicos enquanto destaca temas sociais e políticos mais abrangentes no Paquistão.
2. Descrição do caso e histórico
Em 16 de maio de 2023, um pequeno veículo privado de notícias locais em urdu publicou um vídeo na sua página do Facebook de um político paquistanês dando um discurso ao parlamento do país um dia antes. O discurso do político, em urdu, faz referências ao que ele descreve como uma “tradition” (tradição) egípcia ancestral na qual as pessoas eram sacrificadas para conter as cheias do rio Nilo. O político se refere a essa “tradition” (tradição) como parte de sua opinião sobre o que deveria ocorrer atualmente no Paquistão, afirmando que, em um discurso anterior, havia declarado que o país não iria se recuperar até que diversos tipos de servidores públicos, incluindo os militares, fossem “hanged” (enforcados).
Em seguida, o político faz alusão à crise política em andamento no Paquistão, se referindo aos problemas que estão afetando o país antes das eleições parlamentares, incluindo pessoas desaparecidas no Baluchistão e referências críticas em relação aos poderes governamentais e às forças militares. Ele prossegue, afirmando que, para acabar com a “flood” (enchente), eles precisam fazer “sacrifices” (sacrifícios). O político claramente inclui a si próprio e outros colegas entre aqueles servidores públicos que precisam ser “hanged” (enforcados) como uma forma de sacrifício, afirmando que todos eles são responsáveis pelo que está acontecendo.
A publicação inclui uma legenda e um texto sobreposto ao vídeo, também em urdu, que repetem as afirmações do político sobre enforcar servidores públicos. A legenda também destaca a forte reação que o discurso gerou no parlamento.
O conteúdo foi compartilhado cerca de 20 mil vezes e recebeu aproximadamente 3 mil comentários e 40 mil reações, principalmente “curtidas”. Entre junho e setembro de 2023, os sistemas automatizados da Meta identificaram o conteúdo neste caso como potencialmente violador dos Padrões da Comunidade 45 vezes, criando denúncias que encaminhavam o conteúdo para análise. Duas dessas denúncias foram analisadas em grande escala por analistas humanos. A primeira análise concluiu que o conteúdo não era violador, enquanto a segunda determinou que ele violava a Política sobre Violência e Incitação. Porque a conta que publicou o conteúdo fazia parte do programa de verificação cruzada, o conteúdo foi marcado para uma análise secundária e permaneceu na plataforma até a conclusão do processo. Por fim, o conteúdo foi escalado para especialistas no assunto e em políticas, que o determinaram como não violador da Política sobre Violência e Incitação. O conteúdo foi mantido na plataforma. A Meta indicou o caso ao Comitê porque ele retrata uma tensão em seus valores de voz e segurança quando aplicados ao discurso político.
O discurso neste caso foi feito no contexto de uma significativa agitação política no Paquistão, alguns dias após a prisão do ex-primeiro-ministro Imran Khan. Em abril de 2022, Khan foi deposto em uma moção de censura pela oposição política do Paquistão em meio a supostos confrontos crescentes entre o ex-primeiro-ministro e as forças militares. A fim de recuperar seu poder, Khan e seu partido buscaram promover eleições parlamentares, visto que o mandato da Assembleia Nacional tinha sua conclusão programada para agosto de 2023.
Em 9 de maio de 2023, Imran Khan foi preso sob acusações de corrupção, pelas quais ele depois foi considerado culpado e condenado a cumprir vários anos de prisão: uma medida que muitos consideraram como uma tentativa de impedi-lo de participar das eleições parlamentares. Em agosto de 2023, o presidente dissolveu a Assembleia Nacional, preparando-se para as próximas eleições gerais, que deveriam ocorrer, constitucionalmente, 90 dias após a dissolução, em novembro. Um governo provisório assumiu o poder, e, em novembro, o órgão de supervisão das eleições no Paquistão as prorrogou para 8 de fevereiro de 2024, mencionando a necessidade de mapas atualizados dos círculos eleitorais. Isso, por sua vez, incitou uma incerteza política acerca das eleições e prolongou os governos provisórios designados desde a destituição de Khan. Em dezembro de 2023, a Meta também relatou publicamente que a Autoridade de Telecomunicação do Paquistão havia solicitado acesso restrito a uma publicação criticando as forças militares.
A prisão de Khan suscitou enormes protestos políticos em todo o país e ataques sem precedentes a instalações militares e propriedades públicas e privadas, eventos que geraram o ímpeto para o discurso do político. A ONU relatou que pelo menos oito pessoas morreram, mil foram presas e centenas se feriram durante os conflitos com as forças armadas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, fez um apelo ao fim da violência. A mídia independente relatou que milhares de apoiadores do ex-primeiro-ministro, além de funcionários e membros do seu partido político, foram presos desde maio de 2023. Ademais, as autoridades de telecomunicação do Paquistão supostamente cortaram o acesso à internet móvel e às redes sociais por dias durante os protestos violentos, enquanto jornalistas foram atacados e detidos pela polícia, assim como atacados pelos manifestantes.
O político retratado no vídeo é o líder de um pequeno, porém influente, partido político no Baluchistão (a maior província do Paquistão), que é centrado principalmente em temas relevantes na região e que tem denunciado, há muito tempo, o abuso de poder empregado pelo estado paquistanês contra o povo balúchi. Ele atuou como membro do parlamento até agosto de 2023 e nas coalizões da liderança durante os dois últimos governos. De acordo com os especialistas consultados pelo Comitê, ele tem a reputação de ser um político moderado e já havia condenado a violência contra civis anteriormente. Apesar de seu partido ter feito parte das coalizões do governo alinhadas às forças militares, ele mantém uma postura bastante crítica quanto a esses poderes.
Apesar de o discurso do político ter ocorrido logo após a turbulência imediata ocasionada pela prisão de Khan, ele se refere a temas sociais e políticos mais abrangentes tanto no Paquistão quanto no Baluchistão. Os especialistas consultados pelo Comitê afirmaram que o Paquistão está presenciando níveis graves de polarização política, fomentada pelos confrontos de longa data entre Khan, o governo e as forças militares. As forças militares, a princípio a favor do governo de Khan, detêm uma influência política significativa no Paquistão e não estão acostumadas a enfrentar críticas. Entretanto, depois das medidas punitivas severas contra Khan e seus apoiadores, o sentimento antimilitar tem se mostrado cada vez maior.
Além disso, os especialistas também observaram que, dois dias antes do discurso, ataques às forças armadas também ocorreram no Baluchistão, o que pode ter motivado o discurso. A província é conhecida por ter um forte movimento político e cívico-social em defesa de mais autonomia política e direitos socioeconômicos. Contudo, a repressão estatal cada vez mais intensa no Baluchistão, como um esforço para manter a autoridade, levou ao surgimento de um movimento armado de secessão mais radical.
O Baluchistão tem sofrido violência política por décadas, o que foi exacerbado pela repressão militar e pelas violações em massa dos direitos humanos, como desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais, táticas comuns aplicadas pelas forças armadas e milícias privadas patrocinadas pelo governo para enfraquecer o movimento separatista. Os especialistas observaram que as forças militares do Paquistão têm uma grande presença no Baluchistão devido aos movimentos separatistas em atividade e aos frequentes ataques terroristas. Eles também enfatizaram que os militares estabeleceram milícias violentas, supostamente voltadas contra membros da população balúchi suspeitos de terem conexões com o movimento separatista. Algumas dessas milícias posteriormente se voltaram contra os militares, instigando ainda mais o sentimento separatista e a violência.
A crise política no Paquistão tem sido intensificada por problemas econômicos, pelas consequências ainda em andamento das enchentes devastadoras de 2022 e por um aumento nos ataques terroristas no Baluchistão e em outros lugares, que têm sido repreendidos por medidas punitivas antiterroristas, incluindo desaparecimentos e esquadrões da morte na província. Os ataques terroristas foram condenados repetidamente pela ONU, enquanto outros especialistas de direitos humanos reforçaram suas preocupações acerca da adoção de medidas antiterroristas abusivas.
Nesse contexto, o político usa diversos termos inflamatórios e ilustrativos no discurso que são relevantes para a história política e o cenário político atual do Paquistão. Entre eles, há referências que fazem críticas aos poderes políticos e forças militares, assim como à falta de responsabilização entre os servidores públicos do governo. Simultaneamente, o discurso aborda a violência contra as comunidades balúchi e suas dificuldades em ter acesso à justiça.
Especialistas linguísticos e culturais consultados pelo Comitê observaram que a cultura política paquistanesa inclui o uso de linguagem provocativa altamente carregada a fim de chamar atenção para os temas considerados importantes. Eles afirmaram que a “tradition” (tradição) mencionada no discurso do político se refere a um mito associado a práticas de sacrifício no Egito antigo para conter as cheias do rio Nilo. Nesse contexto, o político se refere ao “sacrifice” (sacrifício) daqueles responsáveis pela crise política. Os especialistas também observaram que a necessidade de conter a “flood” (enchente) poderia simbolizar um fim à sequência de problemas políticos enfrentados pelo país, tanto a nível nacional quanto no Baluchistão, ou se referir à inquietação causada pelas desigualdades sociais.
Adicionalmente, o político se refere ao “Frankenstein” e outros “monsters” (monstros) em seu discurso. Os especialistas atestaram que essas referências podem ter sido usadas para descrever como o governo paquistanês gerou agentes violentos, como grupos militantes que deveriam servir os interesses do país, mas acabaram se voltando contra eles, pondo o estado em risco: um problema que tem afetado particularmente o Baluchistão.
Em 8 de fevereiro de 2024, o Paquistão realizou as eleições parlamentares. O político que fez o discurso em questão foi reeleito com sucesso, garantindo uma posição na Assembleia Nacional. No momento do discurso, as tensões políticas no país estavam notavelmente elevadas, após a deposição e prisão do ex-primeiro-ministro Khan. Atualmente servindo diversos anos de prisão, Khan foi impedido, assim como seu partido, de concorrer nas eleições parlamentares. Os candidatos do seu partido foram forçados a concorrer independentemente. Segundo os especialistas consultados pelo Comitê, há observadores alegando que o poder político vigente se articulou para impedir que o partido de Khan voltasse ao poder. Outros observadores também consideram que, apesar de fundamentadas pela legislação aplicável, as acusações feitas contra ele tiveram motivações políticas devido ao momento em que foram feitas.
O Paquistão permanece em um estado de agitação. Em resposta às eleições nacionais inconclusivas, nas quais não foi definido um ganhador claro pela maioria dos votos, dois dos principais partidos da oposição chegaram a um acordo formal para constituir um governo de coalizão. A situação foi agravada ainda mais pelas acusações de fraude eleitoral.
Em um contexto mais abrangente de direitos humanos, os especialistas da ONU na área e organizações de direitos civis destacaram que o governo antecedente de Imran Khan, o regime atual e as forças militares foram todos responsáveis por limitar a liberdade de mídia nos anos recentes. Os veículos de mídia enfrentaram interferência, a revogação do patrocínio governamental e proibições contra apresentadores de televisão e contra conteúdo de transmissão. A licença de um dos maiores canais privados de notícias do país também foi suspensa. Da mesma forma, ativistas, dissidentes e jornalistas online foram sujeitos, com frequência, a ameaças e assédio pelo governo e por seus apoiadores, incluindo alguns casos de violência e desaparecimentos forçados, por criticarem as forças militares e o governo. Os movimentos de direitos das mulheres, procurando abordar temas de igualdade de gênero, enfrentaram a negação de licenças e petições judiciais tentando banir suas manifestações, citando objeções feitas por organizações públicas e religiosas, o que gera riscos ostensivos à ordem pública. Essas organizações também relataram limitações às liberdades na internet aplicadas pelo governo paquistanês. As autoridades realizam rotineiramente paralisações da internet, bloqueios de plataformas e acusações severas para suprimir o discurso crítico online. Veículos de mídia independentes também registraram como o governo no Paquistão fez solicitações para plataformas de redes sociais removerem conteúdo, especialmente quando esse conteúdo questiona violações dos direitos humanos ou o envolvimento das forças militares na política. A Meta informou ao Comitê que restringiu o acesso local a milhares de itens de conteúdo denunciados pelo Paquistão por supostamente violarem a legislação local. Essas informações também foram relatadas na Central de Transparência da empresa.
3. Escopo e autoridade do Comitê de Supervisão
O Comitê tem autoridade para analisar decisões que a Meta envia para análise, segundo o Artigo 2 da Seção 1 do Estatuto e a Seção 2.1.1 do Artigo 2 dos Regulamentos Internos.
De acordo com a Seção 5 do Artigo 3 do Estatuto, o Comitê pode manter ou revogar a decisão da Meta, decisão essa que é vinculante para a empresa, segundo o Artigo 4 do Estatuto. A Meta também deve avaliar a viabilidade de aplicar sua decisão no que diz respeito a conteúdo idêntico em contexto paralelo, de acordo com o artigo 4 do Estatuto. As decisões do Comitê podem incluir sugestões não vinculantes às quais a Meta deve responder, de acordo com o Artigo 3, Seção 4, e Artigo 4 do Estatuto. Quando a Meta se compromete a agir de acordo com as recomendações, o Comitê monitora sua implementação.
4.Fontes de autoridade e orientação
Os seguintes padrões e as decisões precedentes fundamentaram a análise do Comitê neste caso:
I. Decisões do Comitê de Supervisão
- Menção do Talibã na divulgação de notícias
- Poema russo
- Slogan de protesto no Irã
- Discurso de general brasileiro
- Primeiro-ministro do Camboja
- Disputa política antes das eleições turcas
- Convocação das mulheres para protesto em Cuba
- Violência comunitária no estado indiano de Odisha
- Mulher iraniana confrontada na rua
II. Políticas de Conteúdo da Meta
A análise do Comitê foi fundamentada pelo compromisso da Meta com o valor Voz, que a empresa descreve como “fundamental”, incluindo o valor Segurança.
A Meta atualizou seu Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação diversas vezes desde que o conteúdo foi inicialmente publicado em maio de 2023. O Comitê analisou o conteúdo tendo como base a versão mais recente do Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação, que entrou em vigor em 6 de dezembro de 2023.
O fundamento da política dos Padrões da Comunidade sobre Violência e Incitação afirma que o objetivo dos padrões “é evitar violência no meio físico em potencial que possa estar relacionada a conteúdo” nas plataformas da Meta e que, embora a Meta entenda que “as pessoas comumente expressam desdém ou desacordo por meio de ameaças ou incitação à violência de maneira cômica e casual, [nós] remove[mos] palavras que incitem ou facilitem a violência e ameaças reais à segurança pública ou privada”. O fundamento da política explica que “o contexto é importante, portanto, [a Meta] considera diversos fatores, como a condenação de ameaças violentas ou a conscientização sobre elas, [...] ou a visibilidade pública e a vulnerabilidade dos alvos das ameaças”. A Meta “remove conteúdo, desativa contas e também trabalha com a polícia quando [a empresa] acredita que há um risco genuíno de lesão corporal ou ameaças diretas à segurança pública”.
A política proíbe especificamente “ameaças de violência que possam levar à morte (ou outras formas de violência de alta gravidade)”. A política especifica que “ameaças de violência são declarações ou representações visuais de uma intenção, aspiração ou chamada para violência contra um alvo, e as ameaças podem ser expressas por meio de diversos tipos de declarações, como declarações de intenção, chamadas para ação, afirmações aspiracionais ou condicionais”. Após as últimas atualizações na política em 6 de dezembro de 2023, a linguagem voltada ao público do Padrão da Comunidade agora também esclarece que a Meta “não proíbe ameaças quando compartilhadas em um contexto de conscientização ou condenação”, de acordo com a recomendação do Comitê no caso Poema russo.
III. Responsabilidades da Meta com os direitos humanos
Os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs, na sigla em inglês), endossados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011, estabelecem uma estrutura voluntária de responsabilidades das empresas privadas em relação aos direitos humanos. A Política Corporativa de Direitos Humanos da Meta, anunciada em 2021, reafirmou o compromisso da empresa com os direitos humanos de acordo com os UNGPs.
Ao analisar as responsabilidades da Meta com os direitos humanos no caso em questão, as seguintes normas internacionais foram relevantes:
- O direito à liberdade de expressão: Artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP, na sigla em inglês); Comentário geral n.º 34, do Comitê de Direitos Humanos, de 2011; Relatórios do Relator Especial da ONU sobre a liberdade de opinião e expressão: A/HRC/38/35 (2018) e A/HRC/50/29 (2022). Declaração conjunta sobre liberdade da mídia e democracia, mandatários da ONU e regionais para a liberdade de expressão (2023); Declaração conjunta sobre políticos e servidores públicos e liberdade de expressão, mandatários da ONU e regionais para a liberdade de expressão (2021).
- O direito à vida: Artigo 6 do PIDCP.
- Direito à liberdade e à segurança pessoal: Artigo 9, PIDCP, Comentário Geral n.º 35, Comitê de Direitos Humanos, 2014;
5. Envios de usuários
Após o encaminhamento da Meta e a decisão do Comitê de aceitar o caso, o usuário recebeu uma notificação sobre a análise do Comitê e uma oportunidade para enviar uma declaração a ele. No entanto, o usuário não a enviou.
6. Envios da Meta
Quando a Meta analisou o conteúdo, a empresa observou que ele não violava o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação (com base na versão da política vigente durante o momento da sua análise) porque ele foi publicado por um veículo de notícias para conscientizar a respeito do discurso do político.
A Meta declarou que remove “declarações defendendo violência de alta gravidade”, como apelos ao enforcamento público de indivíduos, mas permite que esse conteúdo seja compartilhado em um contexto de conscientização. A empresa afirmou que, neste caso, o conteúdo foi compartilhado por um veículo de comunicação no contexto de conscientização e, portanto, foi categorizado como uma exceção do Padrão da Comunidade. Mesmo quando a declaração é considerada uma ameaça real, a Meta permite que esse conteúdo seja compartilhado caso busque informar outras pessoas. Referindo-se a sua definição interna anterior, a Meta explicou que essa exceção “é aplicável especificamente a conteúdo que claramente busca informar e educar outras pessoas acerca de um determinado tópico ou assunto (...). Isso pode incluir relatórios acadêmicos e da mídia”. A definição interna foi atualizada para refletir as novas definições para “conscientização” (conforme mencionado na Seção 8.1 abaixo).
A empresa observou que, quando analisou a publicação “de forma holística”, foi possível determinar que o conteúdo foi publicado por uma agência de notícias para “conscientizar a respeito de declarações feitas por políticos sobre questões de importância pública”. A Meta atestou que a publicação fez mais do que apenas recompartilhar a parte específica do discurso do político em que havia um apelo a violência de alta gravidade, pois compartilhou um vídeo de dez minutos do discurso, colocando as declarações em um contexto mais amplo. A Meta também considerou que a legenda da agência de notícias na publicação não apoiava ou corroborava qualquer mensagem em particular, mas, por outro lado, editorializava os comentários do político, dando a entender que o discurso era forte e impactante. Adicionalmente, a empresa observou que o veículo de notícias não tem afiliação com o político retratado no vídeo ou com o governo e não tem um histórico de publicar conteúdo incitando a violência.
A Meta também explicou que, mesmo que o conteúdo contivesse uma ameaça concreta e se enquadrasse pela permissão da política para “conscientização”, ela ainda teria o permitido por sua importância jornalística. A Meta afirma que “em alguns casos, [a empresa] permite conteúdo que de outra forma iria contra os [seus] padrões, se tiver importância jornalística ou for de interesse público”.
A empresa também argumentou que o valor de interesse público era alto porque o discurso foi realizado em um fórum público e chamava atenção para temas relevantes. O conteúdo foi transmitido por organizações de notícias respeitadas e havia sido originalmente transmitido publicamente. A Meta considerou que o risco de dano era baixo, visto que, apesar de o discurso apelar por ações violentas à primeira vista, elas “pareciam ser retóricas” à luz do contexto político mais amplo e que “não havia nenhuma indicação aparente de que a publicação poderia resultar em violência ou dano”, já que ela permaneceu na plataforma “sem que houvesse qualquer incidente conhecido”.
A empresa também observou que, mesmo que a exceção de conscientização fosse aplicável neste caso, o discurso em si não continha nenhuma ameaça real. A Meta afirmou que a declaração do político no vídeo de fato não “defendia violência de alta gravidade”, pois não continha nenhuma “ameaça real”. Na verdade, ela deveria ser interpretada como uma “declaração retórica... utilizada para defender um ponto de vista político”. A Meta explicou que pode ser difícil distinguir ameaças reais de figurativas ao revisar conteúdo em grande escala. No caso em questão, concluiu-se que o conteúdo não incluía uma ameaça real, mas na verdade uma “retórica política” só após a escalation, indicando que foi uma decisão feita pelas equipes internas de especialistas da Meta. Essas equipes consideram o contexto mais detalhadamente para distinguir “apelo à violência de retórica intensa”.
A ameaça era “retórica” porque o político fez uma comparação entre um mito antigo de sacrifícios no Egito e o apelo ao enforcamento de políticos, generais, burocratas e juízes anônimos. De acordo com a Meta, isso “sugere uma hipérbole política em vez de uma ameaça real”. O discurso do político também destacava “temas mais amplos sobre corrupção, nepotismo, suposta discriminação contra o povo balúchi” e preocupações sobre “a falta de responsabilização dos membros das forças militares na história do Paquistão”. De acordo com a Meta, seus comentários defendendo violência de alta gravidade “devem ser interpretados com esse propósito mais amplo em mente”.
O Comitê fez 18 perguntas à Meta por escrito. Perguntas relacionadas ao monitoramento automatizado e humano da Meta; O processo exclusivo de escalation da Meta; as últimas atualizações da Política sobre Violência e Incitação e as instruções internas para moderadores de conteúdo; os processos para solicitações governamentais de análise de conteúdo; as medidas tomadas pela Meta à luz das eleições iminentes em 2024; e as medidas para proteger políticos e candidatos, assim como canais de comunicação que a Meta tenha estabelecido com o governo paquistanês. A Meta respondeu a todas as perguntas feitas pelo Comitê. A empresa informou ao Comitê que não era capaz de fornecer informações completas sobre as solicitações que recebeu do governo paquistanês para remover conteúdo durante o ano passado porque, para isso, seria necessária a validação de dados, o que não pôde ser concluído a tempo.
7.Comentários públicos
O Comitê de Supervisão recebeu três comentários públicos que cumpriam os termos para envio. Um foi enviado dos Estados Unidos e do Canadá, um da Ásia Pacífico e da Oceania e um da Ásia Central e do Sul da Ásia. Para ler os comentários públicos enviados com consentimento de publicação, clique aqui.
Os envios abordaram os temas a seguir: o papel das redes sociais e plataformas digitais, e o aumento na divulgação de notícias por outras entidades além de jornalistas; os riscos em potencial relacionados com permitir discursos políticos violentos em redes sociais no Paquistão; a situação política e de direitos humanos no país; a liberdade de expressão, as liberdades de mídia e o destaque de leis específicas que representam ameaças sérias à liberdade de imprensa.
8.Análise do Comitê de Supervisão
O Comitê examinou a decisão da Meta de manter o conteúdo de acordo com as políticas de conteúdo, as responsabilidades associadas aos direitos humanos e os valores da empresa.
O Comitê selecionou este caso porque ele oferecia uma oportunidade de explorar a Política sobre Violência e Incitação da Meta, assim como seu respectivo processo de aplicação no contexto de discursos políticos. Ele suscita questões relevantes sobre como a Meta deve tratar o discurso de políticos e qualquer cobertura de notícias relacionada a esse discurso em suas plataformas, especialmente antes das eleições. Este caso fornece uma oportunidade de explorar diretamente os temas relacionados à proteção de jornalistas e a importância da divulgação feita por veículos de notícias sobre temas, eventos ou assuntos de interesse público.
Além disso, este caso fornece ao Comitê uma oportunidade de discutir sobre os procedimentos internos da Meta quando um discurso ameaçador deve ser interpretado de forma figurativa, em vez de literal. O caso se enquadra principalmente em uma das prioridades estratégicas do Comitê, “Eleições e espaço cívico”.
8.1 Conformidade com as Políticas de Conteúdo da Meta
O Comitê considera que o conteúdo neste caso não viola o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação porque, independentemente de o conteúdo subjacente atender às limitações sobre incitação, ele foi compartilhado por um veículo de comunicação para informar outras pessoas e, portanto, se enquadra na exceção de conscientização.
Quando o conteúdo foi publicado, a exceção para “conscientização” da Meta estava presente apenas nas suas diretrizes internas para analistas, e não para o Padrão da Comunidade voltado ao público. Ela permitia “conteúdo violador, caso compartilhado em um contexto de condenação ou conscientização”. Ela considerava contexto de conscientização como “conteúdo que procura nitidamente informar e educar outras pessoas sobre um tópico ou tema”, o que pode incluir reportagens da mídia. Após as últimas atualizações no Padrão da Comunidade voltado ao público, em 6 de dezembro de 2023, de acordo com a recomendação do Comitê no caso Poema russo, a política agora reflete explicitamente essa exceção: “[a Meta] não proíbe ameaças quando compartilhadas em um contexto de conscientização ou condenação”.
Adicionalmente, a Meta também atualizou seus padrões internos para definir o conceito de conscientização mais detalhadamente, como “compartilhar, discutir e reportar novas informações... com a finalidade de melhorar a compreensão de um tema ou o conhecimento sobre um assunto com valor de interesse público. A conscientização... não deve visar a incitação à violência ou a disseminação de ódio ou desinformação. Isso inclui, entre outros, o jornalismo cidadão e o compartilhamento de reportagens por usuários regulares. A Meta explicou que as “reportagens” se enquadram em uma categoria mais ampla de conteúdo que é compartilhado com o propósito de conscientização.
Neste caso, houve vários indicadores nítidos de que o conteúdo se enquadrava na exceção de conscientização. Ele foi publicado por um veículo de notícias e retratava o discurso de um político se referindo à situação social e política do Paquistão, antes das eleições. O discurso, sem dúvidas, se referia a assuntos de interesse público, abordando eventos e figuras nas esferas pública e política. O vídeo mostra o apelo do político para “hang” (enforcar) os servidores no contexto desse discurso mais abrangente, colocando as declarações em um contexto mais amplo e destacando outros temas de interesse público. A publicação não apoia ou corrobora a mensagem do político, e a legenda, constatando que o discurso gerou uma forte reação, deixa claro que o conteúdo foi compartilhado para registar o discurso do político com um intuito de conscientização.
Apesar de o conteúdo neste caso ser beneficiado pela exceção de conscientização, o Comitê observa ainda que, tendo em vista o contexto, ele não contém uma “ameaça real” de “violência que poderia ocasionar uma morte” que violaria o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação. O Comitê também destaca que certos elementos podem ajudar a distinguir se um discurso deve ser interpretado de forma figurativa ou não literal, em vez de constituir ameaças reais. Essa distinção é particularmente importante no caso de declarações de natureza política, em especial durante as preparações para as eleições.
O Comitê reconhece a importância de remover discursos por políticos que provavelmente incitarão a violência, caso eles impliquem ameaças e alvos específicos e reais (ver, por exemplo, o caso Primeiro-ministro do Camboja), mas reitera a relevância de avaliações contextuais ao aplicar a política. Caso não haja ameaças reais, um discurso contendo linguagem ameaçadora de forma figurada, e não literal, não deve constituir uma violação da Política sobre Violência e Incitação (ver as decisões Poema russo, Slogan de protesto no Irã e Mulher iraniana confrontada na rua).
Neste caso, o conteúdo é uma reportagem retratando um político que se dirige ao parlamento para expor seu ponto de vista sobre a situação social e política no Paquistão. De acordo com o contexto e os especialistas linguísticos e culturais consultados, o Comitê considera que o político está usando discurso figurado, e não uma ameaça de violência literal e convincente. Ele faz uso de um discurso ilustrativo e referências históricas para criticar a crise política no Paquistão. O Comitê concorda com a Meta que a comparação metafórica entre matar servidores públicos e o mito antigo de sacrificar alguma coisa para conter as cheias do Nilo é uma expressão de exagero político, em vez de uma ameaça de fato. Os especialistas consultados pelo Comitê explicaram que a linguagem carregada e provocativa é usada com frequência pelos políticos paquistaneses a fim de chamar atenção para temas que eles consideram importantes e que eles tendem a ser provocativos e hiperbólicos de propósito em seus discursos frente ao parlamento. O Comitê considera que a preservação desse tipo de discurso, quando figurativo (não literal), especialmente durante as preparações para as eleições, é essencial. Além disso, a declaração do político aborda temas mais abrangentes, como a corrupção, a suposta discriminação e violações dos direitos humanos contra o povo balúchi, que enfrenta dificuldades para ter acesso à justiça, além da falta de responsabilização entre servidores públicos e as forças militares ao longo da história do país. Em contraste com a decisão Primeiro-ministro do Camboja, o político neste caso não nomeia alvos específicos (ele se refere apenas a categorias gerais de servidores públicos), se inclui nessas categorias e não tem um histórico de incitar a violência. O contexto relevante é discutido na seção 8.2 abaixo.
Contextualmente, o discurso deve, portanto, ser compreendido como uma chamada para ação, expressão de choque e culpabilização, em vez de ameaças contra pessoas em particular. De forma similar ao conteúdo nos casos Slogan de protesto no Irã e Poema russo, eles são mais bem compreendidos como expressões figurativas usadas para conceber uma mensagem política em vez de uma ameaça real.
O Comitê reconhece que, enquanto o conteúdo neste caso claramente não viola a política, discernir declarações usando linguagem ameaçadora figurativamente, ou de forma não literal, de ameaças reais requer contexto e pode ser difícil em grande escala. Portanto, como observado pelo Comitê anteriormente, é importante que a Meta forneça orientação precisa aos moderadores sobre quais fatores considerar durante a moderação de discurso potencialmente figurativo (ver recomendação nº 1 no caso Slogan de protesto no Irã). Dados os possíveis desafios para os analistas em grande escala ao distinguir discurso figurativo de ameaças reais, a exceção de conscientização fornece uma proteção adicional para garantir que o discurso figurativo compartilhado por veículos de notícias com o intuito de divulgação e conscientização não seja removido da plataforma.
8.2 Conformidade com as responsabilidades da Meta relativas aos direitos humanos
O Comitê concluiu que manter esse conteúdo na plataforma estava de acordo com as responsabilidades que a empresa tem com os direitos humanos.
Liberdade de expressão (Artigo 19 PIDCP)
O Artigo 19 do PIDCP prevê ampla proteção à expressão, incluindo a "liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro [meio] de sua escolha". Essa proteção é “particularmente alta” para o “debate público em uma sociedade democrática a respeito de figuras do domínio público e político” Comentário Geral 34, parágrafos 34 e 38). O discurso político e os discursos sobre outros assuntos de interesse público dispõem do “maior nível possível de proteção... incluindo em plataformas de mídia e comunicação digital, especialmente em contexto eleitoral”, (Declaração conjunta, 2021).
O papel da mídia no relato de informações através do ecossistema digital é crucial (ver decisão Disputa política antes das eleições turcas). O Direito Internacional dos Direitos Humanos atribui um valor especial à função do jornalismo e da mídia de fornecer informações que são de interesse para o público (ver decisão Menção do Talibã na divulgação de notícias). O Comitê de Direitos Humanos salientou que uma “imprensa e outras mídias livres, sem censura e sem obstáculos são essenciais” e esses veículos de comunicação devem ser capazes de “comentar sobre temas públicos sem censura ou limitação e informar a opinião pública” (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 13).
As plataformas de redes sociais como o Facebook se tornaram um veículo para a distribuição de notícias em todo o mundo, e a Meta reconheceu, na sua política corporativa de direitos humanos, as responsabilidades da empresa perante os jornalistas. As plataformas digitais são canais importantes de distribuição e interação com o público para muitos veículos de mídia. Como "guardiãs digitais", as plataformas de redes sociais têm um "impacto profundo" no acesso público à informação (A/HRC/50/29, parágrafo 90).
Quando um Estado aplica restrições à expressão, elas devem atender aos requisitos de legalidade, objetivo legítimo e necessidade e proporcionalidade, segundo o parágrafo 3 do Artigo 19 do PIDCP. O Comitê usa essa estrutura para interpretar os compromissos voluntários de direitos humanos da Meta, tanto em relação à decisão de conteúdo individual sob análise quanto ao que isso diz sobre a abordagem mais ampla da empresa à governança de conteúdo. Como afirmou o Relator Especial da ONU sobre liberdade de expressão, embora "as empresas não tenham obrigações governamentais, seu impacto é do tipo que exige que avaliem o mesmo tipo de questões sobre a proteção do direito de seus usuários à liberdade de expressão" (A/74/486, parágrafo 41).
I. Legalidade (clareza e acessibilidade das regras)
O princípio da legalidade exige que qualquer restrição à liberdade de expressão esteja de acordo com uma regra estabelecida, que seja acessível e clara para os usuários. A regra deve ser “formulada com precisão suficiente para permitir que um indivíduo regule sua conduta de acordo com ela e deve ser acessível ao público” (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 25). Além disso, as regras que restringem a expressão “podem não conceder liberdade de ação irrestrita para a restrição da liberdade de expressão aos encarregados de [sua] execução” e devem “fornecer instrução suficiente para aqueles encarregados de sua execução a fim de permitir que possam determinar quais tipos de expressão são devidamente restritas e quais tipos não são” (Comentário Geral n.º 34, parágrafo 25; A/HRC/38/35 (undocs.org), parágrafo 46). A falta de clareza ou precisão pode levar a uma aplicação incoerente e arbitrária das regras. No que diz respeito à Meta, os usuários devem ser capazes de prever as consequências da publicação de conteúdo no Facebook e no Instagram, e os analistas de conteúdo devem ter orientações claras sobre sua aplicação.
O Comitê observa que a exceção de “conscientização” descrita acima ainda não havia sido incluída no conteúdo voltado ao público da política na época em que esse conteúdo foi publicado. Em outras palavras, na época, os usuários ainda não sabiam que a violação de conteúdo era permitida se fosse compartilhada em um contexto de condenação ou conscientização, o que pode ter impedido que eles iniciassem ou se envolvessem em discussões de interesse público nas plataformas da Meta (ver decisão Violência comunitária no estado indiano de Odisha).
Após a última atualização da política e considerando as recomendações do Comitê em casos anteriores, a Meta agora inclui explicitamente a exceção de conscientização no Padrão da Comunidade. A política atesta que a Meta não proíbe ameaças quando compartilhadas em um contexto de conscientização ou condenação, garantindo, portanto, o cumprimento do requisito de legalidade.
O Comitê observa que, enquanto o fundamento da política do Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação sugere que o “contexto” pode ser considerado ao avaliar uma “ameaça real”, a política não especifica como declarações figurativas (ou não literais) devem ser distinguidas de ameaças reais. O Comitê reitera suas conclusões nos casos Slogan de protesto no Irã e Mulher iraniana confrontada na rua de que a Meta deve incluir uma explicação sobre como ela modera ameaças figurativas (não literais).
II. Objetivo legítimo
As restrições à liberdade de expressão devem ter um objetivo legítimo listado de acordo com o artigo 19, parágrafo 3 do PIDCP, incluindo os “direitos das demais pessoas”. Na busca por “prevenir possível violência no meio físico” removendo conteúdo que represente “um risco genuíno de lesão corporal ou ameaças diretas à segurança pública”, o Padrão da Comunidade sobre Violência e Incitação cumpre o propósito legítimo de proteger o direito à vida (artigo 6º. PIDCP) e o direito à segurança pessoal (artigo 9º. PIDCP, Comentário Geral n.º 35, parágrafo 9).
III. Necessidade e proporcionalidade
Qualquer restrição à liberdade de expressão “deve ser apropriada para cumprir sua função protetora; deve ser o instrumento menos intrusivo entre aqueles que podem cumprir sua função protetora; deve ser proporcional ao interesse a ser protegido” (Comentário geral nº 34, parágrafo 34). As empresas de redes sociais devem considerar uma série de possíveis respostas a conteúdo problemático além da sua exclusão, para garantir que as restrições sejam ajustadas de forma restrita (A/74/486, parágrafo 51).
A remoção do conteúdo da plataforma neste caso não cumpriria os princípios de necessidade e proporcionalidade, pois ele foi compartilhado por um veículo de mídia com um intuito de conscientização e contém discurso político figurativo que não constitui incitação à violência, diferentemente de uma ameaça literal e convincente.
O Comitê observa ainda que a expressão em apreço aqui deve receber proteção “particularmente alta” devido a sua natureza política ( Comentário Geral n.º 34, parágrafo 34) e porque foi proferida diante do parlamento durante um debate centrado em temas de política nacional. Isso ocorreu durante um período de significativa agitação social e política antecedendo as eleições do Paquistão, que foram prorrogadas em 2023 e realizadas em 8 de fevereiro de 2024. O conteúdo compartilhado pelo veículo de mídia para conscientizar a respeito de temas políticos em um contexto pré-eleitoral não deve ser restrito.
O papel da comunicação social nesse contexto torna-se progressivamente essencial e recebe um valor e uma proteção específicos (ver a decisão Menção do Talibã na divulgação de notícias e o Comentário Geral n.º 34, parágrafo 13). Os veículos de mídia digitais exercem um papel crucial na divulgação de informações e declarações. A remoção desse conteúdo pela Meta seria uma restrição desproporcional à contribuição da imprensa na discussão de assuntos de interesse público.
O Comitê também observa que a remoção não seria uma restrição proporcional, considerando que o discurso em si deveria ter sido interpretado de forma figurativa e não literal e não constituía uma incitação real à violência. Os seis fatores descritos no Plano de ação de Rabat (ver o contexto, o autor, o intuito, o conteúdo do discurso, a extensão do discurso e a probabilidade de dano iminente) fornecem uma orientação valiosa nessa avaliação.
Embora os fatores de Rabat tenham sido desenvolvidos para a defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitui incitação, e não para a incitação em geral, eles oferecem uma estrutura para analisar se o conteúdo incita ou não os outros a cometer violência (veja, por exemplo, Slogan de Protesto no Irã e Convocação das mulheres para protesto em Cuba):
O conteúdo foi publicado no contexto de eleições iminentes e em meio a agitações políticas em andamento. A deposição e prisão do ex-primeiro-ministro Imran Khan intensificou as tensões e a polarização existentes, gerando protestos massivos em todo o país, prisões, ataques a prédios militares sem precedentes e repressão violenta pela polícia, especialmente voltada para civis manifestantes, apoiadores de Khan e figuras da oposição. Os especialistas consultados pelo Comitê observaram que o governo paquistanês tem um histórico de oprimir aqueles que fazem críticas ao governo, às forças militares e ao poder judiciário por meio de prisões e ações judiciais.
Apesar de o político retratado na publicação ser uma figura pública, cujo discurso detém um risco maior de dano devido a sua posição de autoridade, ele não tem nenhum histórico de incitar a violência. O conteúdo e a forma da declaração sugerem que ela não tinha um intuito literal e era figurativa por natureza, porque o político não nomeia alvos específicos (se refere apenas a categorias de servidores públicos) e se inclui nessas categorias. Os especialistas também atestaram que a linguagem altamente carregada e provocativa é usada com frequência por políticos paquistaneses. Além disso, o discurso inteiro do político, que era ilustrativo por natureza, também discutia temas mais amplos de interesse público antes das eleições parlamentares no país, incluindo violações dos direitos humanos contra o povo balúchi. Portanto, os fatores contextuais e o conteúdo do discurso sugerem que a intenção do político era a de uma chamada para ação urgente, apelando para que os servidores públicos fossem responsabilizados, e não enforcados. Mesmo que o conteúdo tenha tido um alcance maior, ele não se destacou em comparação com outros eventos à época. Além disso, como o político não mencionou o nome de alvos específicos, mas se referiu em geral ao regime político vigente, do qual ele era um membro, o discurso não era propenso a gerar dano iminente. A intenção do interlocutor, apesar de sua identidade, o conteúdo do discurso e seu alcance, bem como a probabilidade de dano iminente, justificavam, todos, manter o conteúdo na plataforma.
O Comitê acredita que, em contextos políticos complexos como os descritos neste caso, avaliar a significância do discurso do político e sua conexão com o cenário eleitoral mais amplo é essencial. O momento do discurso, tendo em mente as circunstâncias à época, é fundamental, como descrito anteriormente (ver seção 2). Qualquer discurso dessa natureza, visto à luz do contexto de eleições iminentes, deve ser mantido na plataforma.
A fim de garantir que discursos de alto valor de interesse público, como o conteúdo neste caso, sejam preservados na plataforma, o Comitê reitera a recomendação n.º 1 do caso Discurso de general brasileiro, que foi aceita pela Meta. Nesse caso, o Comitê recomendou que a Meta desenvolvesse uma estrutura para avaliar os esforços eleitorais da empresa. Isso inclui criar e compartilhar métricas para os esforços eleitorais bem-sucedidos, especialmente com vistas para a aplicação pela Meta de suas políticas de conteúdo, permitindo que a empresa não só identifique e reverta erros, mas também que acompanhe quão efetivas suas medidas são no contexto eleitoral. Implementar essa recomendação requer a publicação de relatórios específicos para cada país.
Em sua resposta a essa recomendação, a Meta informou ao Comitê que tem uma variedade de métricas para avaliar o sucesso de seus esforços eleitorais e aumentar sua transparência sobre seu impacto, mas vai buscar consolidá-las em um conjunto específico de métricas eleitorais que permita à empresa aprimorar como ela avalia seus esforços nas preparações para as eleições, durante elas e depois delas. A Meta relatou que está atualmente conduzindo uma avaliação de teste usando métricas diferentes em múltiplas eleições de 2024 e informou o Comitê sobre seu plano de compartilhar publicamente uma descrição dessas métricas no começo de 2025. O Comitê insta a Meta a executar esse processo antes, se possível, dado o grande número de países realizando eleições este ano, incluindo países da maioria global.
9. Decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê de Supervisão concorda com a decisão da Meta de manter o conteúdo.
10. Recomendações
O Comitê de Supervisão decidiu não emitir novas recomendações nesta decisão devido à relevância de uma recomendação anterior emitida no caso Discurso de general brasileiro, que foi aceita pela Meta. A fim de garantir que discursos de alto valor de interesse público, como o conteúdo neste caso, sejam preservados na plataforma, o Comitê reitera a seguinte recomendação:
A Meta deve desenvolver uma estrutura para avaliar seus esforços eleitorais. Isso inclui a criação e o compartilhamento de métricas para esforços eleitorais bem-sucedidos, particularmente com vistas para a aplicação pela Meta de suas políticas de conteúdo. Implementar essa recomendação requer a publicação de relatórios específicos para cada país (Discurso de general brasileiro, recomendação n.º 1).
*Nota processual:
As decisões do Comitê de Supervisão são preparadas por grupos com cinco membros e aprovadas pela maioria do Comitê. As decisões do Comitê não representam, necessariamente, as opiniões pessoais de todos os membros.
Para a decisão sobre o caso em questão, uma pesquisa independente foi encomendada em nome do Comitê. Um instituto de pesquisa independente com sede na Universidade de Gotemburgo, que tem uma equipe de mais de 50 cientistas sociais de seis continentes, e mais de 3.200 especialistas do mundo inteiro auxiliaram o Comitê. O Comitê também recebeu assistência da Duco Advisors, uma empresa de consultoria especializada na intercessão entre as áreas de geopolítica, confiança e segurança, e tecnologia. A Memetica, uma organização dedicada à pesquisa de código aberto sobre tendências de redes sociais, também forneceu análises. A empresa Lionbridge Technologies, LLC, cujos especialistas são fluentes em mais de 350 idiomas e trabalham de 5 mil cidades pelo mundo, forneceu a consultoria linguística.
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